sábado, fevereiro 14, 2009

Ensaio sobre a cegueira (1995)
de José Saramago

Ensaio sobre a cegueira

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

Saramago, o até agora, único Nobel da literatura portuguesa (1998), é hoje, na minha opinião, o maior contador de histórias português vivo, nome maior da literatura mundial.

saramagoTenho uma admiração confessa pelo trabalho de Saramago, até aqui havia lido o Memorial do Convento e as Intermitências da Morte, foi levado até ao Ensaio sobre a Cegueira com uma grande de dose de expectativa, alimentada pela sua recente e mediática adaptação à tela pelo realizador Fernando Meireles (Blindness).

As expectativas não me saíram goradas, fiel ao seu estilo muito próprio (longas frases e pontuação pouco usual) é necessário ao início algum esforço para acompanhar descrições e diálogos misturados sem grandes referências. Já depois da inicial adaptação à sua particular escrita, é aproveitar a prosa única, o tom coloquial (como que chamando o próprio leitor para a história), as suas famosas alegorias e, no caso desta obra, a sua narrativa fortíssima, de tal forma arrebatadora que se torna difícil de desprender do livro até ao seu final.

blindtrem

Atingida por uma inexplicável epidemia de cegueira branca (propagando-se não se sabe como), várias pessoas que pouca ligação têm entre si, encetam uma viagem dramática e claustrofóbica na perda da sua dignidade humana. Apenas uma mulher, “a mulher do médico”, retêm a sua visão e torna-se os nossos olhos para o miserável quadro da natureza humana, que Saramago nos pinta. É na forma como o pinta que o talento de Saramago se revela; mestre na caracterização, observando cada personagem à medida que vão experienciando a sua cegueira, personagens sem nome, únicas, mas identificadas apenas como “o vizinho”, “o ladrão”, “o médico”, “a rapariga dos óculos escuros”, leva-nos a experimentar uma claustrofóbica familiaridade com as personagens e uma agonizante sensação de ruína.

Evito propositadamente dar muitos pormenores da história, esta vale por si só, e fazê-lo seria retirar muito do prazer que a surpresa costuma encerrar. Contem com um murro no estômago, algo inquietante, que explora da melhor forma o que de pior pode esconder o comportamento humano, de como facilmente nos tornámos bárbaros e nos deixámos guiar pelos mais básicos instintos, bastando para isso sentirmo-nos órfãos dos constrangimentos sociais a que estamos todos os dias afectos. Deixa no ar uma série de interrogações que complementam a prosa, genericamente, reflectindo no que significa isso de ser humano.

"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."

José Saramago

2 comentários:

Hélder Aguiar disse...

Um escritor muito acima da média que não se rende ao mediatismo. Basta olhar para os seus livros, nus e simples, sem usar a sua imagem para vender mais.

Anónimo disse...

O saramago é feio.