quinta-feira, outubro 29, 2009

Saturno devora um dos seus filhos.

Saturn devouring one of his sonsSaturn devouring one of his sons (1821-1823) de Goya

O dia 1 de Novembro é, como que democraticamente, o dia de todos os santos. Na noite anterior celebra-se um género de festa da cultura kitsch, implementada não se sabe bem porquê e para quê - o Halloween. Quem me conhece sabe que nunca gostei de fantasias. Não gosto de me cruzar com indivíduos vestidos de palhaços no Carnaval, e pela mesma ordem de razão, não gosto do Halloween pelas bruxas e pelos macacos fantasmagóricos que por vezes se passeiam com elas, nessa noite.

Os apreciadores dizem que é giro pintar a cara, usar chapéus, vassouras, roupa preta, máscaras que metam medo ao susto e afugentem assim os espíritos que no dia seguinte se irão velar. Trick or treating e temos mais uma oportunidade de nos embebedarmos e esquecermo-nos momentaneamente dos nossos medos, aqueles do nosso mundo, o real.

A sensatez, apesar de não nos acompanhar a maioria das vezes, anda de braço dado com aquela nossa necessidade de sobrevivência. E é com ela que temos medo. O medo do desconhecido, do maior desconhecido de todos - a morte.

É este tipo de tormento que me assusta. Um tormento que leva alguém, como Goya, a reinventar-se num rebate sem ordem e sentido. Na depressão do seu caos o espanhol adornou as paredes de sua casa com as pinturas que mais tarde viriam a constituir os seus últimos trabalhos, os chamados quadros negros (representações de ódio, terror e mal).

O mais impressionante e elucidativo, deste conjunto, é a reprodução da cena mitológica em que um decrépito Saturno, deus romano do tempo, devora um dos seus filhos recém-nascido, por medo que este tome o seu lugar. Esta lúgubre e horrífica cena, centrada no monstro esgazeado do deus Saturno, corresponde às preocupações particulares de um Goya isolado, já no final da sua vida, e angustiado pela perda do poder e da dissolução da força do indivíduo, à medida que se aproxima do fim da sua vida.

Eis o verdadeiro Halloween! O sumir das forças, o definhar da vida, com a passagem dos anos - a velhice e o ocaso, que faz com que tudo o resto não tenha importância nenhuma, e para o qual, não há trick-or-treating que nos redima.

1 comentários:

Hélder Aguiar disse...

Adorei esta reflexão. Nitidamente, um Goya perturbado pelo vazio que é a morte, cada vez mais iminente. Um quadro dos mais perturbadores jamais feitos. Imaginem uma sala só com representações deste género... Tenho pensado muito nestes assuntos, e invariavelmente todos são becos sem saída.