quinta-feira, janeiro 21, 2010

Notáveis 7ª arte Avatar de James Cameron (2009) avatarposter “Just relax and let your mind go blank. That shouldn't be too hard for you.”

A deixa é da insuspeita Sigourney Weaver, a sólida actriz norte-americana habituada, desde os finais dos anos 70, a estas andanças de encontros e conflitos entre o homem e seres alienígenas, quando ainda florescia na sua juventude e aprendia a extinguir bichos extraterrestres hostis, alcunhados, na altura, de Aliens.

Ela lá sabe do que fala… Avatar de James Cameron é o filme mais caro da história do cinema (pelo menos, até ao passado ano de 2009), uma experiência cinematográfica diferente, de um mundo à parte criado por imagens geradas em computador, espremendo aos limites a sofisticada combinação entre a última tecnologia e a encenação de actores solitários, sobre fundos verdes, na rígida tarefa de encarnar e cumprir uma cena ainda por acontecer, algures nos terminais electrónicos de um processador.

O argumento é um truísmo directo à acção, de forma a que não se perca muito tempo no que aqui é menos importante, e se passe directamente ao proveito de todos os dólares gastos no fascinante mundo de Pandora. E a fotografia é desconcertante. Paisagens luxuriantes, por entre florestas virgens e seres coloridos e espantosos. São os seres azuis “Na’'vi”, de corpos ágeis, atléticos, graciosos de movimentos e expressivos (como convém), os protagonistas deste mundo de harmonias perfeitas.

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O problema está no ambicioso homem, já instalado neste mundo distante, rico num mineral caríssimo e, por isso, muito procurado. Entre os invasores está também instalado um grupo de cientistas, entusiastas deste fascinante planeta, e responsáveis pelo projecto “Avatar”, um processo que combina DNA humano com DNA alienígena, num ser interactivo que se parece com os Na’vis, mas que é controlado à distância pelo hospedeiro humano. A história segue o marine paraplégico Jake Scully, que toma o lugar do irmão morto no controlo do seu dispendioso avatar. Jake, na pele do seu avatar, acaba por imiscuir-se com os indígenas, aprendendo a sua cultura e habilidades. Acaba por ser neste conflito entre a natureza virgem do planeta e dos seus habitantes - e o desejo do homem em colher para si o precioso mineral -, que eclode a disputa entre o poder de fogo da máquina e a vida que brota da natureza de Pandora.

Avatar apenas se propõem a ser o que é - entretenimento puro, um esvaziamento reflexivo sobre o habitat e essa máquina destruidora em que o homem rapidamente se transforma. Um outro senhor desta arte de fazer cinema, não menos insuspeito que a actriz Sigourney Weaver, Francis Ford Coppola, questionou, numa recente entrevista, um dos seus interpeladores da seguinte forma: “Alguém acredita que o 3D pode melhorar uma má história?” Na minha opinião, não. Mas também não será este o caso. Cameron soube o quis, e preferiu centrar-se na ideia original de um dos irmãos Lumiére – a máquina de fazer sonhos; desta feita, apresentando-nos quase três horas de um onirismo pictórico, bem longínquo e acessível a todos - com óculos de preferência.

sábado, janeiro 16, 2010

Ler, mais que ver 389x152

A Vida Dramática dos Reis de Portugal

de José Brandão (2008)

a vida dramática dos reis de portugal

“Conhecer-se a si próprio foi, desde a mais remota Antiguidade, a principal condição de virtude.”

O grosso da história de um país chamado Portugal foi vivido sob o domínio do regime monárquico - o único que durante séculos garantiu uma unidade possível entre os diferentes povos, quando as suas aspirações e as dos seus contrários assim o permitiam. Eram estes monarcas os representantes de uma identidade e de uma soberania venerada que punha e dispunha ao sabor da sua vontade, abençoada pela Santa Madre Igreja das “crueldades pias e atrocidades santas”.

Este compêndio de José Brandão é uma nova forma de abordar a história. O costume e a prática apresentou-nos livros de história em formato de calhamaço, de tamanho proporcional ao tempo que percorria na relembrança e aos detalhes com que se importavam.  A Vida Dramática dos Reis de Portugal é uma leitura fácil que percorre cronologicamente a história dos 30 reis e duas rainhas que nasceram portuguesas e governaram (ou foram a face visível dessa governação), durante quase oito séculos, o então Reino de Portugal.

São 32 os capítulos, correspondentes cada um a um monarca (ficaram de fora os Filipes de Espanha). Neles se contam as suas histórias, desde o nascimento até à morte. A narrativa é solta e precisa, percorrendo, com insistência, os feitos, polémicas, intrigas, traições e crimes, talhando as índoles dos 30 homens e 2 mulheres que se viram por força da ditadura da hereditariedade, ou pela simples motivação de uma ambição tomar em braços os destinos de um país e de um povo.

Retrato do Rei Dom Afonso VI D. Afonso VI, o retrato de um rei diminuído, de um autor desconhecido, no Museu dos Coches.

Revendo a promiscuidade da forma como os diferentes reinos entre si desposavam, por conveniências políticas, as suas mais ilustres filhas, José Brandão exibe o papel importante que muitas amantes e filhos bastardos dos nossos reis tiveram na História do país, assumindo muitos deles grandes posições na nobreza e no clero, chegando um deles – D. João I (o de Boa Memória) – a rei, dando início à segunda Dinastia. Dos 32, só D.João II (O Príncipe Perfeito) era filho de mãe e pai português, casando-se também com uma portuguesa. O resultado de casamentos de primos, com primas, sobrinhos com tias, cunhados com cunhadas e de netas com tios-avôs, além dos muitos enfermos a que deu origem, deu à nossa história perversos, visionários, indolentes, adúlteros, facínoras, criminosos, bígamos, um pouco de tudo, para o quais devemos olhar com a atenção dos valores morais de então. 

De Afonso Henriques (O Conquistador) - o filho que batia na mãe; autoproclamado rei de Portugal em 1139, após a batalha de Ourique contra os mouros, a despeito dos reis de Castela e Leão -, até D. Manuel II (O Desventurado) – o último que se vê obrigado a abandonar o reino, pouco depois do dia 5 de Outubro de 1910, deixando para trás já uma república –, são registadas com este livro um conjunto interessante de factos curiosos deste importante conjunto de personalidades que governaram a nossa soberania na conquista, na abundância e na tragédia de uma vida dramática que por cá continuará.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Notáveis 7ª arte

The French Connection de William Friedkin (1971)

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A definição de thriller é usada para classificar histórias que envolvam emoções fortes, suspense, acção e uma boa dose de frenesim que vai do terror ao policial. É, este último, um dos géneros mais apreciados pelo público em geral, e no qual The French Connection encaixa na perfeição.

A história de Ernest Tidyman segue a dupla de polícias nova-iorquinos da divisão de narcotráfico, Jimmy “Popeye” Doyle (Gene Hackman) e Buddy Russo (Roy Scheider), que acabam de apanhar uma pista de um caso de tráfico de droga de grandes proporções, entre a máfia da distribuição de droga de Nova Iorque e um argirocrata francês. Premiado pelos Óscares como melhor argumento, melhor edição, melhor actor (Gene Hackman) e melhor filme (destronando a “Laranja Mecânica”, de Kubrick), este excitante policial tem na consistência e qualidade das interpretações, principalmente de Gene Hackman (o herói racista, polícia obstinado com meios e atitudes pouco próprias para um defensor da lei), na sedutora direcção e edição, e na selectividade das sequências de acção e exposição da narrativa, a sua unidade distintiva com outros produtos do género.

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Ao invés de grandes tiroteios, explosões, violência gratuita e acção frenética, temos um retrato da realidade e de emoções, através de uma série de situações convincentes sem os artifícios de um enredo previsível, preenchido de espionagem, memoráveis sequências de perseguições a pé, e uma inesperada perseguição de um carro a um comboio, filmada por entre trânsito real. A história flui por si, prendendo a atenção do espectador, convencido pela solidez das personagens e pertinência do argumento.

Como o prova este filme de Friedkin, o entretenimento inteligente cabe em todos os géneros,  e os laivos de novidade são intemporais, mesmo quando se vêem ultrapassar pela vasta oferta e as mais recentes técnicas visuais, confirmando apenas o quanto pateta pode ser a busca de outras realidades para representar o real, quando o real só por si é a catálise perfeita para o melhor dos entretenimentos.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

A expectativa

Reclining Nude, 1929 - Max BeckmannReclining Nude de Max Beckmann (1929)

Conduz-se pelo desejo e trai-nos maioria das vezes. É a expectativa que nos ajuda a bulir numa determinada direcção - certa ou errada, pecaminosa ou sacra, mais ou menos prosaica (dependendo dos olhos de quem a observa), dá, na pior das hipóteses e a título de dote afiançado, o conforto no dever cumprido.

Só o tempo revela as apostas gastas e as goradas, nesse espírito de quem passa veloz, rápido, mas que se recusa persistentemente, e de forma obstinada, a não sair da frente. O senso comum diz-nos que é a busca do prazer que nos dá o ímpeto para agir. Uma mulher nua pode ser o objecto do reforço necessário para agir, assim como o é a droga para um toxicodependente, mesmo sabendo-se destruído e no caminho da dor e do sofrimento, ou o é o dinheiro, como forma de justificação das maiores indignidades humanas.

Há um paradoxo revelado pela bioquímica que contraria a filosofia do senso comum. A dopamina é uma molécula que se liberta nos nossos neurónios, sempre que as coisas estão a correr no sentido da expectativa desejada. Quando o prazer é alcançado a libertação de dopamina cessa. A expectativa, só por si, não é o suficiente para nos levar a agir, muito menos o próprio prazer, mas sim o esforço feito para alcançar o fim. Por isso, é a dificuldade, os passos dados, as barreiras a ultrapassar que fazem a diligência, intensificam a vontade e nos fazem mexer.

É no adiar da recompensa que se fortalece o desejo, impele-se o ânimo e se termina com a expectativa criada pelo retrato de um texto, que mostra aquilo que não é.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

Ler, mais que ver 389x152 Os Irmãos Tanner de Robert Walser (1907)

Os Irmãos Tanner “Por vezes tenho a sensação de estar separada da vida por uma parede fina mas opaca. Mas não posso ficar triste, só posso reflectir sobre isso”.

Kaspar é pintor, leva uma vida solitária e recolhida porque se dedica apenas à pintura; Hedwig vive numa aldeiazinha de telhados de palha, como professora; Emil, o ideal de um homem bonito e talentoso, deixou o seu destino dar forma à infelicidade e está num manicómio; Klaus, o mais velho, é  um homem ilustre com uma posição sólida e respeitável na vida; e Simon, o espírito livre e insidioso na recusa das mais elementares convenções sociais (salta de emprego em emprego, vagueia de cidade em cidade, envolve-se com quem encontra, sem nunca realmente se envolver, partindo de seguida sem destino nem propósito). São estes os irmãos Tanner de Robert Walser, uma transparência de experiências reais da sua vida e um pasmo de procrastinação da vida e da morte de Walser.

Uma longa marcha de deambulações despreocupadas, muitas vezes até contraditórias, de monólogos das diferentes personagens, perdidas em descrições detalhadas e delicadas da alma e natureza, de si e daquilo que calha em sorte os rodear, é a imagem de marca desta obra, e o que a torna tão singular.

robert_walserAssim como o caricato Simon Tanner, Robert Walser era um errante, conhecido pelas suas longas jornadas pela natureza. A narração dos Irmãos Tanner é um exercício de racionalização e ao mesmo tempo de grande sensibilidade, de um sonhador incompreendido que entendeu e conheceu a miséria, mas, mesmo assim, apenas insinuou a melancolia, sem nunca cair nela, ridicularizando e tratando com indiferença todas as conquistas que o homem vulgar almeja (dinheiro, sucesso, poder).

 

Uma obra sem destino nem causa, hábil em revelar momentos e sentimentos extraordinários, estranhos para quem não está habituado a tropeçar nas durezas da realidade da vida. Robert Walser esteve grande parte da sua vida num manicómio e acabou por morrer durante uma das suas longas caminhadas, sendo encontrado morto tal e qual como o descreveu para uma das suas personagens deste livro.

“Tão nobre a sepultura que ele escolheu para si mesmo. Jaz debaixo de magníficos pinheiros verdes cobertos de neve. Não vou avisar ninguém. A natureza vela pelos seus mortos, as estrelas cantam em voz baixa em torno da sua cabeça e os pássaros nocturnos grasnam, e é esta a música ideal para quem já não ouve nem sente”.

domingo, janeiro 03, 2010

Robert Musil #2

Robert_Musil_1918

“Há uma fase na vida em que esta abranda de forma nítida, como se hesitasse entre continuar ou alterar o seu rumo. É possível que nesta fase seja mais fácil o azar vir ao nosso encontro.”