segunda-feira, janeiro 04, 2010

Ler, mais que ver 389x152 Os Irmãos Tanner de Robert Walser (1907)

Os Irmãos Tanner “Por vezes tenho a sensação de estar separada da vida por uma parede fina mas opaca. Mas não posso ficar triste, só posso reflectir sobre isso”.

Kaspar é pintor, leva uma vida solitária e recolhida porque se dedica apenas à pintura; Hedwig vive numa aldeiazinha de telhados de palha, como professora; Emil, o ideal de um homem bonito e talentoso, deixou o seu destino dar forma à infelicidade e está num manicómio; Klaus, o mais velho, é  um homem ilustre com uma posição sólida e respeitável na vida; e Simon, o espírito livre e insidioso na recusa das mais elementares convenções sociais (salta de emprego em emprego, vagueia de cidade em cidade, envolve-se com quem encontra, sem nunca realmente se envolver, partindo de seguida sem destino nem propósito). São estes os irmãos Tanner de Robert Walser, uma transparência de experiências reais da sua vida e um pasmo de procrastinação da vida e da morte de Walser.

Uma longa marcha de deambulações despreocupadas, muitas vezes até contraditórias, de monólogos das diferentes personagens, perdidas em descrições detalhadas e delicadas da alma e natureza, de si e daquilo que calha em sorte os rodear, é a imagem de marca desta obra, e o que a torna tão singular.

robert_walserAssim como o caricato Simon Tanner, Robert Walser era um errante, conhecido pelas suas longas jornadas pela natureza. A narração dos Irmãos Tanner é um exercício de racionalização e ao mesmo tempo de grande sensibilidade, de um sonhador incompreendido que entendeu e conheceu a miséria, mas, mesmo assim, apenas insinuou a melancolia, sem nunca cair nela, ridicularizando e tratando com indiferença todas as conquistas que o homem vulgar almeja (dinheiro, sucesso, poder).

 

Uma obra sem destino nem causa, hábil em revelar momentos e sentimentos extraordinários, estranhos para quem não está habituado a tropeçar nas durezas da realidade da vida. Robert Walser esteve grande parte da sua vida num manicómio e acabou por morrer durante uma das suas longas caminhadas, sendo encontrado morto tal e qual como o descreveu para uma das suas personagens deste livro.

“Tão nobre a sepultura que ele escolheu para si mesmo. Jaz debaixo de magníficos pinheiros verdes cobertos de neve. Não vou avisar ninguém. A natureza vela pelos seus mortos, as estrelas cantam em voz baixa em torno da sua cabeça e os pássaros nocturnos grasnam, e é esta a música ideal para quem já não ouve nem sente”.

1 comentários:

Mariana disse...

Boa review!
Os apontamentos que deixas do livro dão vontade de percorre-lo ao alcance de mais...