"Se não há Deus e a alma é mortal, então, tudo é permitido"
Ivan Karamazov, por Dostoievski
Publicada por O Shihan à(s) 30.7.09 1 comentários
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Porque deixar por minutos um objecto num local é sinónimo de ser roubado?
Publicada por Hélder Aguiar à(s) 23.7.09 4 comentários
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1808 de Laurentino Gomes (2007)
“Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil.”
Laurentino Gomes, jornalista brasileiro e autor deste bestseller, resumiu dez anos de investigação jornalística, apoiada em trabalhos de dezenas de historiadores e bibliófilos, livros, fontes impressas e electrónicas, correspondências e relatos, de um acontecimento único na história de dois territórios separados por um oceano, mas unidos pelo destino de um pequeno país, com pouco mais de 3 milhões de habitantes, e dono de um império colonial espalhado por três continentes.
A primazia deste livro está, precisamente, nos relatos e na contextualização histórica de um período que transformou uma colónia num país independente e numa potência mundial; na descrição da vida e das personagens burlescas da corte portuguesa, na chegada a uma terra estranha – terra de escravos, contrabandistas e gente sem refinamento. As cartas do arquivista real Luiz Joaquim dos Santos Marrocos são a fonte mais preciosa deste livro sobre a fuga dos reis, a vida da colónia e das personagens burlescas que constituíam a corte portuguesa, assim como a transformação que se operou nas gentes e naquele território dos trópicos, durante os 13 anos da presença da família real portuguesa.
Em 1807, Portugal já era um dos países mais atrasados da Europa, em vários aspectos: a metrópole vivia parasitária das suas colónias, assente numa economia de consumo e num mercado extractivista e mercantilista; a igreja católica tinha um peso decisivo na vida política e social – Portugal foi o último país a abolir os autos a Inquisição –, as novas ideias libertárias e reformas políticas não encontravam espaço num regime de monarquia absoluta, já caduco na Europa. Portugal foi também o último país europeu a abolir o tráfego de escravos e a assegurar a liberdade de expressão e os direitos individuais. Ao invés, a Europa, já vivia no fervor da Revolução Industrial, na explosão da tecnologia e das artes novas, na busca das grandes descobertas intelectuais, que acabaram por culminar, por exemplo, em descobertas para a ciência ainda hoje de enorme relevância.
Retrato de D. João VI e D. Carlota Joaquina de Manuel Dias de Oliveira
Portugal neste período era governado por D.João VI, príncipe regente, em substituição de sua mãe, D. Maria I – a primeira mulher a ocupar o trono português -, uma pobre louca que vivia encarcerada no Palácio de Queluz, rodeada de fervores religiosos. D. José, seu filho primogénito e herdeiro do trono, morreu anos antes de varíola graças à proibição de sua mãe aos médicos de lhe aplicar uma vacina, uma vez que esta achava que a decisão entre a vida e a morte cabia apenas a Deus. D. Maria I foi também a principal responsável pela interrupção do único e breve período de reformas políticas, sociais e estruturais, levadas a cabo pelo ministro todo-poderoso de seu pai, o marquês de Pombal, marginalizado pela rainha e obrigado a manter desta uma distância mínima de 110 quilómetros.
Nesta altura, já o mundo ocidental tinha um novo senhor: Napoleão Bonaparte, autoproclamado imperador de França, depois da Revolução Francesa. Um pequeno sujeito que subjugou reis, rainhas, príncipes e duques, dinastias de séculos, substituindo-os por membros da sua própria família, desde a Prússia, até a Escandinávia e o pontificado romano. Napoleão tinha os exércitos mais rápidos e ágeis da Europa, facilmente mobilizados e sustentados pela sua nova França -industrial e com inovadores técnicas agrícolas, que permitiram, em poucas décadas, uma explosão demográfica e uma estabilidade fundamental para as importantes reformas Napoleónicas (o saneamento financeiro de uma França arruinado por uma monarquia ultra-despesista, a adopção do sistema métrico e o código napoleónico, ainda hoje a base do sistema jurídico francês e de muitos outros países).
Embarque de D. João, príncipe regente de Portugal, para o Brasil, em 27 de Novembro de 1807 de Nicolas Louis Albert Delerive.
Foi o terror pelo exército de Napoleão que levou D.João VI, e toda a corte portuguesa, a realizar o inédito – abandonar o seu país e rumar ao trópicos, numa fuga à pressa, sob protecção Inglesa, o antigo aliado. Este acontecimento único, revelou a fraqueza de um príncipe fraco e medroso, tanto mais, que o exército comando pelo general Junot, aquando da sua entrada em Lisboa, ainda com os navios que levavam a corte para o Brasil à vista, era já um amontoado de maltrapilhos e famintos, desgastados pela dureza da marcha forçada e das emboscadas armadas pela débil e espontânea resistência portuguesa. D. João VI podia facilmente ter vencido a invasão – se tivesse tido coragem. Mas, a história está cheia de acasos, fazendo-se mesmo sem se dar conta disso. Este movimento, surpreendeu o próprio Napoleão, que sobre D. João VI escreveu nas suas memórias: “Foi o único que me enganou.”
D. João VI, sem querer, acabou por ser decisivo na construção, na América do Sul, de um império e de uma nacionalidade, transformando uma colónia amorfa, num país gigantesco e unido, ao contrário do que aconteceu com os seus vizinhos da América espanhola. Laurentino Gomes dá-nos todos os detalhes dos acontecimentos, da vida, dos modos e da importância do confronto de dois mundos - um passado, velho e ultrapassado e o novo, da prosperidade e da transformação, ajudando-nos a perceber o porquê de, mais tarde, D.Pedro I do Brasil, filho de D. João VI, libertasse o famoso grito do Ipiranga.
Publicada por O Shihan à(s) 19.7.09 1 comentários
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Unhas Negras de João da Silva Correia (1953)
Unhas negras é a obra prima de João da Silva Correia, escritor português do século XX. Eram conhecidos como unhas negras, negras dos vapores, corantes e ácidos manuseados para o fabrico dos chapéus, apesar de tudo não menos negras que as próprias vidas destes homens. Nesta obra são outurgadas as agruras e misérias dos operários da indústria da chapelaria do início do século XX, no atrasado início da industrialização portuguesa. Acima deste trabalho verdadeiramente desumano, com descrições a roçar à noção terrena de inferno (quais condenados envoltos em fornalhas ardentes), eleva-se ainda a injusteza de uma sociedade completamente desprovida de sentido humano e social. É neste cenário que encontramos os vários personagens-chave da obra, que personificam os dramas sociais destes homens: desde as condições precárias das habitações, as familias numerosas, os filhos famintos e doentes, a epidemia da tuberculose, até ao fatalismo do desamparo na velhice. Histórias baseadas na realidade, com alusão ao histórico episódio do "assalto" à Fábrica Nova, hoje Museu da Indústria da Chapelaria em S. João da Madeira, episódio trágico em que centenas de operários se revoltaram contra a maquinização da indústria e a eventual perda de postos de trabalho.
Com uma escrita complexa, João da Silva Correia é de facto um literato dotado, é notória a influência realista e descritiva de Camilo, Eça, Ferreira de Castro e Dostoievsky, a que o autor junta as sua forma engraçada de descrever as coisas, bem como expressionismos hilariantes da região de S. João da Madeira. Esta é a base para uma amálgama de histórias cruas e tocantes. Recordo com especial ternura o personagem Tomás, um rapazola desfigurado por uma doença óssea, mas que movia o mundo a tocar a sua concertina. Ou do seu pai Gonçalo Pimpão, no limiar das forças, na sua luta desumana para não perder o parco sustento. Ou do rapazito que ia levar a merenda ao pai e, faminto, via o pai comer sem nada poder tirar. Não esquecendo ainda o sonho da vida de Gervásio Baptista, de ir, veja-se, às festas do S. João em Braga... São histórias que João da Silva Correia assistiu, vidas mergulhadas num sofrimento mudo, partilhadas por um povo humilde, no limiar da sustentabilidade humana, que o autor quis homenagear. É o tributo-mor a todos estes seres humanos anónimos que perderam a vida no suor do trabalho, sem mais não ver da vida que a aldeia em que nasceram, uma terra que, inexplicavelmente, tanto amaram, e desse amor acabaria por nascer uma vila, e um concelho, e uma cidade. É S. João da Madeira.
"...mergulhando e tornando a mergulhar as mãos já escaldadas e de unhas negras calamitosas na água a ferver - faziam lembrar de certo modo painel de alminhas do purgatório, em que há braços contorcionados e expressões de súplicas alucinadas, parêntises de martírio e de agonia sem par, entre chamas impiedosas que purificam, pelo sofrimento, os raros eleitos da eterna bem-aventurança."
S. João da Madeira, hoje, a segunda maior cidade do distrito de Aveiro, com 22 mil habitantes. No início do século XX, S. João da Madeira era uma aldeia com cerca de 4000 habitantes, e pertencente a Oliveira de Azeméis. Os são-joanenses (ou sanjoanenses) eram (ainda muitos se hão-de recordar!) conhecidos como unhas negras, termo devido às unhas sujas dos operários das inúmeras fábricas de chapéus da aldeia. Foi a esta pujança industrial, bairrismo e empreendedorismo das suas gentes que se deveu a politicamente surpreendente emancipação municipal de 11 de Outubro de 1926. Hoje resta apenas uma fábrica de chapéus, a Fepsa, apesar de tudo produtora de quase um terço dos chapéus produzidos anualmente em todo o mundo!
Publicada por Hélder Aguiar à(s) 13.7.09 3 comentários
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O outro na minha cabeça
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Natália Correia
Há qualquer coisa que nunca bate certo na nossa identidade corporal. A imagem do corpo é, e será sempre, qualquer coisa sobre a qual poisará um sentimento ambíguo de que algo não está certo.
O desplante, a arrogância, a ousadia de desafiar os deuses e ser aquilo que não se é, de vencer a sua própria condição, por parte do tipo da foto – o gajo mais falado na última semana, a par de CR9 –, é arrepiante. A força do inconsciente da alma, de ser aquilo que se quer, do preto que foi branco, o velho que queria ser jovem, o homem que deixou de o ser e que acabou por transformar o sujeito no grotesco, é a forma mais próxima de frankensteinianismo que a realidade nos pode oferecer.
Publicada por O Shihan à(s) 9.7.09 2 comentários
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