quarta-feira, dezembro 30, 2009

Imperatriz Isabel de Portugal

La emperatriz Isabel de Portugal de Tiziano (1548) La emperatriz Isabel de Portugal de Tiziano (1548)

A mais bela de 2009, até ao momento e enquanto o desmentido da mais bela princesa portuguesa de todos os tempos, não for levantado.

Filha de D.Manuel I, cedo se viu obrigada emigrar para Espanha por vontade das cortes, para cumprir um sagrado casamento com Carlos I de Espanha, ou Carlos V, Emperador del Sacro Imperio Romano Germánico, como o extenso território sob sua alçada e sobranceria exigiam. O seu filho, Filipe, acabaria por vir a ser rei de Portugal, iniciando o triste episódio da perda de soberania Portuguesa, nas trapalhadas da sucessão para os seus vizinhos ibéricos.

Foram alguns os frescos deixados à história que confirmam os relatos da sua beleza. O que se apresenta é da autoria de Ticiano - artista veneziano ao serviço de Carlos V -, e tem honras de dar as boas-vindas aos visitantes do Museu del Prado, em Madrid.

O mais curioso deste retrato é este ter sido pintado depois da morte da Imperatriz Isabel, baseando-se o autor, num retrato da imperatriz destruído no incêndio do Palácio do Prado, em 1602. Acreditando tanto no talento de Ticiano, como na beleza de D. Isabel de Portugal, e com a falta de negativos à época, deixemos à actualidade a certeza da prova que em tempos Portugal foi sinónimo de uma beleza feminina maior, em consórcio com a mais poderosa e proeminente figura da Europa, pelo menos, até ao namoro de Merche Romero com o nosso airoso CR7.

 

Mesmo sabendo que nem tudo o que conta pode ser contado e nem tudo que é contado conta, um próspero 2010.

 

E um fraterno até lá.

terça-feira, dezembro 29, 2009

Diz-me o porquê

dessa canção tão triste

 

O talentoso músico/poeta Manuel Cruz continua a ser, apenas, timidamente reconhecido. Será por ter nascido em Portugal? Será por ser do Porto? Será por não aparecer na televisão? Será por não tem curvas atractivas?

Será por nada e por tudo isto?

Aqui merece aparecer. Em repeat, se faz favor.

Foge Foge Bandido – O Amor Dá-me Tesão – Não Fui Eu Que Estraguei

segunda-feira, dezembro 28, 2009

Deixa do Aleixo #3

2515187896_497d2beeaa Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.

domingo, dezembro 27, 2009

Notáveis 7ª arte

Viridiana de Luis Buñuel (1961)

viridiana cv

“Deus e o estado são uma equipa imbatível; conseguem bater todos os recordes de opressão e derramamento de sangue.”  Luis Buñel

Quem nunca sentiu repulsa e desprezo por outros seres humanos? Inevitavelmente nenhum de nós. Esse sentimento por quem é diferente, mas no fundo, igual, é um dos mais flagrantes remates da tosca natureza, à qual nos é difícil escapar.

O espanhol Luis Buñuel, autor desta película, com fortes ligações ao surrealismo, amigo íntimo de Salvador Dalí e García Lorca, emigrado nos Estados Unidos após a guerra civil espanhola, foi convidado pelo ditador Franco (num esforço de revitalizar a cultura espanhola), em 1960, a regressar a Espanha. O primeiro resultado foi Viridiana, um conto moralista virado do avesso que lhe valeu a censura e a repressão da Igreja e do Estado por blasfémia e obscenidade.

Viridiana é considerada a sua obra-prima (ganhou a Palma de Ouro do festival de Cannes, em 1961) e é a reprodução ipsis verbis do seu pequeno universo subversivo, em que o contraditório e o dualismo entre o belo e o grotesco assume o papel principal.

Quando uma jovem freira (Viridiana), prestes a entrar no de sistema de reclusão do seu convento, após de vários anos de preparação, é abordada pela sua madre superiora para visitar o seu benemérito e viúvo tio durante uns dias, antes do seu recolhimento final, dificilmente seria de expectar as repercussões que tal visita de cortesia poderia vir a ter. O velho e solitário homem encontra curiosas parecenças físicas entre Viridiana e a sua falecida noiva (tia de Viridiana), o que o faz entrar numa espiral de alienação e obsessão, que acaba por culminar numa vergonhosa e desesperada humilhação, replicada num sentimento de culpa, que decide o destino das personagens.

Embrulhada pelo destino, Viridiana é uma mulher de grande bondade, de intenções puras e inocentes (bem para lá da sua fé religiosa) o que a leva a criar uma comunidade de mendigos e outros degenerados da sociedade. O último terço do filme acaba por assumir uma inesquecível e vertiginosa velocidade, deliciosamente divertida, com uma sucessão de cenas anárquicas de como é, a título de exemplo, a recriação da última ceia de Leonardo Da Vinci ao som de Hallelujah Chorus, do oratório Messiah de Händel, captada pelo nada conveniente levantar de saias de uma das mendigas.

bscap0003 Treze dos excluídos recolhidos por Viridiana à mesa, com o cego do grupo no centro, no lugar de Jesus.

Acutilante e incomum, Buñuel capta a perversidade e alguns dos anseios mais desprezíveis do homem, por muitos ideais elevados que estes possam sugerir (conseguimos variar entre a simpatia e a repulsa a uma mesma personagem, numa única cena), quer vivam na rua ou em grandes mansões. Este filme poderia ser apenas uma manifesto anti-religioso, um ataque às diferentes classes sociais, às instituições que encurralam em grupos seres humanos à parte de tudo e de todos, mas consegue ser bem mais do que isso – chega a ser um absurdo cómico ao primitivismo e um derradeiro coice de mula à pertença complexidade humana.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Agora a sério.

Feliz Navidad

The Birth 1597 - Barocci The Nativity (1595) de Frederico Barocci

Para lá das questões artificias desta época natalícia, o ressurgimento a cada ano dos valores da partilha, da solidariedade e da “família”, mesmo encobertas pelo ininterrupto manto do simbólico, é uma bela soberba que a nossa tradição cristã nos deixou.

Por muitas simpatias ou antipatias que possamos ter por este período, a demonstração de um aceno; seja embrulhado em papel, no formato de mensagem de telemóvel, de um telefonema de alvitre ou da simples presença daqueles (que como nós), se engolem na correria da vida, e vêem perdida a candura, subitamente reencontrada no festejo, é algo de nobre que a tradição nos traz.

É de uma combinação entre um género de naturalismo e místico,  de um aproximar dos corpos no espaço, que se desfruta deste procedimento natalício, bem mais regulamentar do que as linhas traçadas por Federico Barocci - pintor maneirista italiano do séc XVI e XVII, discípulo da escola de Tintoretto e Ticiano - no seu fresco “O Nascimento”, para o último duque de Urbino – Francesco Maria II della Rovere.

O fresco de cima compõem a cena original do estábulo, pela mão de Barocci, do menino Jesus nas palhas deitado, perante a contemplação da Virgem Maria e a incitação de José, perante o nascimento do messias. Apesar de seguidor da rígida escola veneziana, Barocci diferenciou-se pelo seu estilo peculiar na utilização da cor e da luz, e do destacado realismo que imprimiu às suas personagens. Foi por estes motivos considerado único, num tal de naturalismo místico, aproveitando a atmosfera poética que uma cena sagrada proporciona.

Efémera, desvirtuada, insuficiente, insignificante, dogmática, tudo se pode dizer sobre a atmosfera que rodeia o Natal. Mas da satisfação (por muito momentânea que seja), da reunião, da partilha, da alegria da criança, da recordação e do convívio genuíno, entre um naco de bacalhau e uma rabanada, continuará a rezar a história do Natal português, pela mão dos maneiristas do nosso tempo.

A tradição ainda é o que era, e oxalá continue a sê-lo.

Mensagem de Natal (muito importante)

 

Apenas no dia de hoje, na Fnac do Colombo e do Arrábida Shooping, Bundle 10 filmes Blu-ray + PlayStation 3 – 120GB, pela singela quantia de 349,99€.

 

 

c2200014838523 Inclui, a saber:

■ Uns Espartanos do Pior
■ Frankenstein Junior
■ Ficheiros Secretos: Quero Acreditar
■ Loucuras em las Vegas
■ Eu, Ela e o Outro
■ O Diabo Veste Prada
■ Correio de Risco 2
■ Horton e o Mundo dos Quem
■ O Acontecimento
■ Dragonball Evolução
■ PlayStation 3 - 120GB
■ Comando DualShock 3

Ah! E UM ÓPTIMO E SANTO NATAL; QUE TODOS OS VOSSOS DESEJOS SE CONCRETIZEM; COM MUITAS PRENDAS NO SAPATINHO; e etc e tal que o Jesus está quase na palhinhas deitado.

500x500 

(Ufa! Que isto do Natal não deve fazer nada bem às coronárias…)

PS.1: E sim, como é politicamente correcto dizer, o capitalismo é execrável, mas seria muito gostoso que ele me proviesse uma Playstation 3 (ver em cima). 

PS.2: Parem de me mandar mensagens de Natal, o meu telemóvel está a ficar sem bateria.

PS.3: É este ano que vou comer uma filhó.

PS.4: O Pai Natal existe e está no 8ª Avenida, em S. João da Madeira, das 10h até às 18h do dia de hoje.

PSD: O Cavácu não presta.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Músicas de 2009 #2
Doves - Kingdom of Rust


Talvez a melhor música do ano. Um clássico instantâneo, intenso. Com mensagem e letra saídas da alma. Para quem ainda não ouviu, a prendinha de natal do blogue ; )

Músicas de 2009 #1
Animal Collective - Summertime Clothes


A fusão mais assertiva e original de hard rock e techo sofisticado. A não perder do mesmo álbum: My Girls e Brother Sport.

domingo, dezembro 20, 2009

Notáveis 7ª arte

Andrei Rubliov de Andrei Tarkovsky (1966)

Género: Biografia / Drama / Guerra / História

Andrei Tarkovsky, cineasta russo da segunda metade do século XX, considerado um dos melhores de sempre na sua área, foi responsável por uma “nova linguagem” no cinema. Os seus filmes decompõem o drama tradicional, são envoltos num onirismo intenso que, subtilmente, extrapola a acção para uma realidade paralela – um laboratório onde testa ideias, filosofias, conflitos interiores, sentimentos humanos. A contribuir para isso, os planos pouco convencionais utilizados nas filmagens que ainda hoje são motivo de admiração.

Andrei Rubliov (em russo Andrei Rublev) foi um dos seus primeiros e melhores filmes (senão mesmo o melhor). É retratada a vida do icónico monge e pintor russo Andrei Rubliov, com acção centrada nos inícios do século XV. São percorridos diversos episódios marcantes da vida de Rubliov, episódios esses com paralelismo na própria história Russa (o terrorismo dos tártaros contra as cidades russas) ou civilizacional (a guerra paganismo – cristianismo, ou o sonho do Homem de voar). É interessante a forma como o personagem evolui, vincado pelos sucessivos e marcantes episódios. Tarkovsky teve o génio de mostrar alguns deles como se fossem sonhos, ou melhor, quase como se parecessem as próprias recordações longínquas de Rubliov. A cena em que é confrontado com o culto pagão, a curiosidade e o terror indescritível que lhe invocaram aquele bando de mulheres nuas, correndo pela floresta em noite cerrada, sob batidas tribais frenéticas, quase demoníacas, é particularmente memorável. Todos os pormenores são, como seria de se esperar, pensados ao pormenor, desde os efeitos sonoros à posição das personagens em cena, ao simbolismo de alguns pormenores.

E se Rubliov era, no princípio da sua vida, um optimista, um defensor da intrínseca bondade humana, contrapondo as observações negativistas do seu mestre, com o decorrer dos anos foi ficando reduzido a um silêncio infitinito, como se nada pudesse acrescentar à corrupção humana, da qual segundo ele, também fez parte. Mas eis que, como que por milagre, acaba por conhecer, no ser mais improvável, a sua alma oposta, levando-o a repensar novamente a sua existência. Por aquela altura, o implacável príncipe russo procurava um homem capaz de fazer um sino monumental para a reconstrução de uma catedral. Do meio de uma aldeia destroçada pela peste, um rapazito de 15 anos, recém-órfão, num grito de alma sequento de vida, diz conhecer o segredo da fundição, ser capaz de dirigir um grupo de centenas de homens, e de fazer o sino tocar para o príncipe.

Se palavras me faltaram para descrever esta pérola, um clássico dos clássicos, onde a simbiose argumento/realização é exemplar, ainda por cima tendo por base factos reais, remeto para a Academia Europeia de Cinema e Televisão, que o considerou, em 1995 (era pré-Dracula 3000 é certo : D), um dos 10 melhores filmes de sempre. Altamente recomendável.

"O artista existe porque o mundo não é perfeito. A arte nasce de um mundo degenerado." Andrei Tarkovsky

Hóte Plaicies, cólde plaicies…

 

Itses móre thane juste óile.

Ande sou do why.

sábado, dezembro 19, 2009

O mundo torna a revelar…

www.osamendoinsdoricky.blogspot.com Dez 2008-Dez 2009

Visitas dos mais inauditos locais, aqui, a este blog.

Como já se devem ter apercebido, a malta gosta de coleccionar aplicações que radiografem os visitantes a esta casa. É o contador de entradas, o número de visitantes, ao momento, na página; o defunto Live Traffic Feed que registava só algumas entradas (muito selectivo), o novo coleccionador de bandeirinhas (muito kitsch), o credível sitemeter e este clustrmaps, que ao fim de um ano faz-nos o obséquio de se auto-alimpar.

Para que conste, entre 8 de Dezembro de 2008 e 8 de Dezembro de 2009, o ranking, rating, ou ranting (alguém sabe o quer dizer isto?), de endereços de Ip únicos, que acederam ao blog, ficou assim:

Portugal (PT)    3,817
Brazil (BR)    654
United Kingdom (GB)    343
United States (US)    81
Romania (RO)    29
Germany (DE)    29
Europe (EU)    25
Belgium (BE)    23
France (FR)    22
Slovakia (SK)    22
Spain (ES)    19
Morocco (MA)    9
Switzerland (CH)    6
Sweden (SE)    6
Canada (CA)    5
Australia (AU)    4
Netherlands (NL)    4
Czech Republic (CZ)    4
Norway (NO)    3
Mexico (MX)    3
Angola (AO)    3
Japan (JP)    2
China (CN)    2
Poland (PL)    2
Turkey (TR)    2
Mozambique (MZ)    2
South Africa (ZA)    2
Argentina (AR)    2
Peru (PE)    2
Ireland (IE)    1
Kazakstan (KZ)    1
Algeria (DZ)    1
Macedonia (MK)    1
Paraguay (PY)    1
India (IN)    1
Denmark (DK)    1
Finland (FI)    1
Chile (CL)    1
Russian Federation (RU)    1
Latvia (LV)    1
Bulgaria (BG)    1
Ecuador (EC)    1
Serbia (RS)    1
Slovenia (SI)    1
Macau (MO)    1
Saudi Arabia (SA)    1
United Arab Emirates (AE)    1
Puerto Rico (PR)    1
Venezuela (VE)    1
Luxembourg (LU)    1
Ukraine (UA)    1
Israel (IL)    1
Singapore (SG)    1
Italy (IT)    1

Primeiro lugar do pódio para Portugal (como seria de esperar), seguido do Brasil, com o United Kingdom a fechar as três primeiras posições destacadas. Surpreendente as visitas numerosas e constantes dos USA, Roménia, Alemanha, Europa?, e Bélgica. Uma saudação especial para a “Saudi Arabia” e os “United Arab Emirates”, muito gosto nos dá imaginar árabes por aqui…

Do Japão temos Afrirampo - as estouvadas Afrirampo, com o tema homónimo, esse mesmo, Afrirampo.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

manuel_clemente01

“O homem antigamente procurava a alma, hoje procura as coisas, mas não percebe que o que importa é a alma das coisas.”

D. Manuel Clemente, bispo do Porto, foi o vencedor do prémio Pessoa 2009, um prémio concedido anualmente a personalidades de relevo da vida artística, literária ou científica do país.

Não perderia aqui o meu tempo a destacar uma notícia - mais do que publicitada em todos os órgãos de comunicação social -, não encerrasse ela, no premiado, o exemplo da inteligência, sabedoria e bom senso, que eu me tenho habituado a admirar no carácter humano.

Vivemos numa época em que a moda dita o rebate a tudo o que envolva fé e religião. A laicização das sociedades ocidentais permitiu-nos subir, em catadupa, uma série de degraus na dignidade individual; aproximou as pessoas nas suas diferenças, não obstante, a desumanidade, ganância, venalidade e exploração da “boa fé” dos outros, que parece ser transversal ao tempo e ao nosso ser, independentemente de como as diferentes sociedades se vêm organizam. 

A tolerância, mesmo nas sociedades ditas democráticas, que têm como mais inabalável baluarte a liberdade, é um bem raro, uma virtude frágil, nestes dias luminosos de hipócrita indulgência.

Abjecto fundamentalismos, sejam de que espécie for (talvez por isso sejam eles as minhas fontes favoritas ironia), religiosos ou anti-religiosos deturpam e fracturam as sociedades, e toldam de forma ignóbil os espíritos mais susceptíveis. Estas forças opostas à tolerância, que furiosamente excluem e têm a certeza que os outros estão sempre em erro,  proliferam entre laicos, ateus, agnósticos, crentes e presbíteros – comerciantes ou profissionais da ajuda em troca da fé, da alma, da consciência, do voto ou da moeda.

Ouvir e ler D. Manuel Clemente é um exercício de serenidade, contenção e de respeito pelos outros, de alguém que tenta compreender o que se passa em seu redor para se corrigir a si próprio. É no diálogo para fora da sua cátedra, que se tem distinguido, nestes tempos em que falar só para os seus parece ser um vício de várias profissões e ofícios, resguardando o restrito círculo privilegiado da sua influência, sobrevalorizando-se aos demais e explorando os incautos. O supracitado tem-se oposto a tudo isto, demonstrando que para lá de ideologias políticas ou teológicas, “o critério é sempre a pessoa humana”, como referiu num dos seus textos.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Robert Musil #1

Aproveitando a deixa do Shihan, inicio aqui um ciclo de citações de uma obra grandessíssima e complexa, mas que me está a dar um capricho especial a ler, pela forma lenta como a leio (sabe-se lá porquê).



Todas as profissões, quando não as exercemos por dinheiro, mas por amor, chega um momento em que o passar dos anos nos parece levar a um vazio.


Robert Musil, "O Homem sem Qualidades"

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Deixa do Aleixo #2

cavacosilva_oliveiracosta

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Notáveis 7ª arte Madame Tutli Putli de 

Chris Lavis e Maciek Szczerbowski (2007) Madame Tupli Putli

Madame Tutli-Putli é um pequeno filme de animação canadiano, em stop-motion, que recorre a uma técnica já experimentada em outros filmes do género, de forma a sobrepor imagens, recolhidas de actores reais, nos bonecos que servem de modelos às personagens do filme. Se outras tentativas, nomeadamente a sobreposição de bocas, careciam de sentido estético, a sobreposição de olhos, neste caso, revelou-se fascinante, imprimindo aos bonecos um ar extra de realismo e expressividade, dificilmente igualado por qualquer outra técnica.

Em termos de realce, os impressionantes efeitos visuais são a sua mais indistinta virtude, por obrigar o espectador a ler as emoções nos olhos das personagens, enquanto é presenteado por uma miríade de detalhes que compõem os acessórios que acompanham as personagens e ambientes de cada cena. O árduo e longo trabalho que os autores tiveram de empreender (4 anos), para os curtos 17 minutos de filme, não levou a que descuidassem nenhum pormenor, inclusivamente a banda sonora que cumpre perfeitamente o seu papel de acompanhamento da acção - inicialmente mais bonacheirona, e cada vez mais etérea à medida que se aproxima o final.

Se em termos técnicos Madame Tutli-Putli está irrepreensível, o argumento conquista pelo mistério, remetendo-nos para um universo muito David Lynch, que imprime a derradeira força a esta fábula, reclamando ao espectador a imaginação, antes do aplauso final que já lhe valeu vários prémios, incluindo a nomeação para o Óscar de melhor curta de animação, em 2007.

Madame Tupli Putli face Madame Tutli-Putli é uma personagem triste e delicada (Tutli-Putli é uma palavra hindu que significa marioneta e mulher delicada), que embarca numa viagem de comboio, carregada de bagagens. Não se conhece a sua voz, nem a de nenhuma outra personagem, e isso também não seria necessário, porque a sua viagem e o seu destino partilham uma incontornável lição de vida – são as pequenas coisas que dão brilho à vida, por muito tralha que cegamente e teimosamente continuemos a arrastar desnecessariamente atrás de nós. Muitas vezes, só o sonho e a mais pueril fantasia conseguem baralhar a realidade.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Fantástico Stop-Motion…

                                               Madame Tutli-Putli

 

Não sei o que me merece mais elogios: o detalhe e pormenores da animação (aquela expressividade do olhar….), ou a subtileza do argumento.

Fica ao critério de cada um.

Deixa do Aleixo #1

antonio-aleixo

Não sou particularmente sensível a poesia, gosto dos Pessoas da mesma forma que gosto de marisco – como, e até o podia fazer todos os dias, mas sei que me acabaria por fazer mal, deixar-me indisposto e, possivelmente, encurtar a felicidade na minha vida.

Há ainda a Natália Correia, mas se tivesse de escolher um poeta, como meu predilecto, ele seria sem dúvida António Aleixo, o poeta algarvio, dito iletrado, sentencioso, de ironia sagaz, compôs versos à volta de acontecimentos e de manifestações humanas, em que qualquer um de nós se revê.

A partir de hoje há mais um espaço nos Amendoins - A Deixa do Aleixo é uma forma de partilharmos as palavras deste poeta, as quais tenho muitas vezes presentes comigo, como é o caso destas:

“Para não fazeres ofensas

E teres dias felizes,

Não digas tudo o que pensas,

Mas pensa tudo o que dizes.”

sexta-feira, dezembro 04, 2009

O tempo é espaço

A porta, o tempo e o espaço Qualquer evento que tenha lugar à nossa volta ocorre num determinado lugar e num determinado instante. O lugar pode ser descrito, por exemplo, por coordenadas geográficas, enquanto o instante pode ser descrito pelo dia e pela hora a que ocorreu. Temos sempre duas informações distintas, uma espacial (o local onde ocorreu) e outra temporal (o momento em que ocorreu). Newton postulou a independência destes dois conceitos, defendendo o espaço absoluto e o tempo absoluto.

Mais tarde, em 1734, Martinho de Mendonça Pina e Proença, fidalgo da corte de D.João  V, defendeu o espaço como a ordem dos corpos coexistentes, e o tempo, a ordem das coisas sucessivas. Já na passagem do século XIX para o século XX, uma série de matemáticos e físicos interligaram os dois conceitos: em certas circunstâncias, se dois observadores, Toné e Mánu, medirem as coordenadas de um
mesmo evento ou o momento em que ocorreu, poderão obter resultados diferentes, mesmo que façam as respectivas medições com toda a precisão possível. Para se calcular as coordenadas espaciais obtidas por Toné, não basta saber as coordenadas espaciais que Mánu mediu; é preciso também saber o momento em que, segundo Mánu, o evento teve lugar. E, analogamente, para calcular o momento em que o evento teve lugar quando medido por Toné, é preciso saber não só quando é que ele teve lugar do ponto de vista de Mánu, mas também onde, segundo ela, teve lugar. O espaço e o tempo estão então interligados.

Hermann Minkowski, professor de Einstein, foi o primeiro a demonstrar matematicamente a importância de se ter em conta a relação entre o espaço e o tempo, e desenvolveu um abordagem geométrica da Relatividade, sem a qual Einstein, como o próprio reconheceu, não teria conseguido elaborar com sucesso a sua Teoria Geral da Relatividade.

187 - Einstein é tao credível que até óculos de sol vende Einstein é tão credível que até óculos vende. Imagem captada em Madrid, na legenda anuncia-se: “Donde los genios compran sus gafas.”

Permitam-me agora relativizar estes conceitos matemáticos, que trouxeram o triunfo do intelecto sobre o Universo e que me dão grandes cefaleias de ignorância, abordando este conceito de uma forma bem mais prosaica, explorando de uma forma bem interessante uma forma de olhar para o tempo, no espaço, com a história.

Estima-se em 100 mil milhões a quantidade de seres humanos que já passaram por este planeta, ocupando cada século quatro gerações.***

Imaginemos agora uma longa e densa fila em que cada geração ocupa um espaço, de pé, encontrando-se separada da seguinte, por um metro de distância. Ao percorrer essa fila, em sentido inverso, como quem passa revista à história, 4 metros atrás de nós estaria Einstein a elaborar a lei da relatividade; a 13 metros Napoleão em Waterloo, 16 metros mais encontraríamos no Renascimento com Lourenço de Médici, Leonardo Da Vinci e Galileu; a 80 metros Jesus de Nazaré, e a 100 metros Sócrates na ágora e muito perto Buda debaixo da figueira, um pouco mais além far-nos-iam sinais com a mão os faraós, e logo atrás viria um grande espaço morto, terra de ninguém, e teríamos de começar a contar não em séculos mas em milhões de anos. Teríamos de percorrer mais 400 metros para chegar ao Neolítico. Depois a fila perder-se-ia no horizonte e a 4 quilómetros descobriríamos o Homo sapiens, a 20 quilómetros veríamos o primeiro primata a manejar pela primeira vez o fogo, a 32 quilómetros estaríamos em Atapuerca, e a 320 quilómetros chegaríamos ao reino comum que compartilhámos com os gorilas e chimpanzés.   

Curioso de como nessa imensa fila, de 100 mil milhões de seres, só brilhou a inteligência no ínfimo pedaço final; o resto não passou de um abismo, antes que lentamente, sob essa insondável escuridão, começasse a clarear a consciência. Assombros da vida.

***No El Pais, o articulista Manuel Vicente, apresentou esta ideia com preeminência.

segunda-feira, novembro 30, 2009

 Ler, mais que ver 389x152

Hadji-Murat de Lev Tolstói (1911)

Hadji-Murat

“No serviço e em casos tão embrulhados, é difícil, se não impossível, seguirmos só um caminho directo, sem arriscarmos errar e sem carregarmos com a responsabilidade; mas quando o caminho nos parece directo temos de o seguir – e seja o que Deus quiser.”

O famoso escritor russo Conde Lev Nikolayevitch Tolstói é mundialmente famoso pelos seus romances Guerra e Paz, e Anna Karénina, dois exemplares maiores da literatura mundial. Porém, em 1904, terminou este livro, que viria a ser a sua última obra, publicada em 1911, já a título póstumo.

Durante a sua juventude Tolstói serviu o exército imperial russo na guerra da Crimeia e do Cáucaso; experiências que acabaram por ter uma importância decisiva nos seus trabalhos literários posteriores. Em 1896, quando fazia um passeio por um terreno lavrado, viu-se a recordar os anos em que esteve alistado às ordens do déspota imperador russo Nicolau I e reparou num bonito cardo partido e torcido pelo lavrar da terra, o qual tentou salvar, sem sucesso. Este episódio acabou por tornar-se uma metáfora com a vida de um famoso chefe e guerreiro muçulmano, da região do Cáucaso, que Tolstói conheceu – Hadji Murat.

L.N. Tolstoy. Petersburg, 1856.Tolstói ao serviço do exército russo, em 1856.

Hadji-Murat, ou mais precisamente Hadji Murad, na pronúncia russa, foi um nome bem conhecido das tropas russas e um herói para as gentes do Cáucaso. Defendeu acerrimamente o seu povo e lançou o terror nas tropas russas, numa guerrilha feita a partir das montanhas. Pertencia à corrente mais pacífica do islamismo, fazendo da honra, da educação e do estrito respeito pelos seus costumes a sua bússola orientadora.

Apanhado entre o fanatismo islâmico do senhor da guerra Imam Shamil, com pretensões em dominar toda a região, e os esforços russos de expansão do seu controlo na zona, acaba por ver a sua família aprisionada e perseguido com os seus homens, por Shamil. Nesta obra é narrada a sua rendição aos russos, com o intuito de ajudar os russos a derrubar Shamil. 

Pequeno em tamanho, quando comparado com as obras-mestras de Tolstói, Hadji-Murat é um mordaz e sarcástico, e ao mesmo tempo frio e distante relato do encontro entre duas culturas muito diferentes, da denúncia da Natives_of_the_Caucasus,_north_of_Mingrelia_(A)corrupção moral e espiritual da monarquia e das elites russas, contrastantes com a simplicidade e o vigor espiritual do “bárbaro” Hadji-Murad.

A tragédia de Hadji-Murad é só mais um apontamento da arte e da visão de Tolstói. Uma história cativante, contada com a mestria de um dos grandes autores russos do século XIX, que torna o desafio da leitura um prazer único, preenchida de experiências, princípios, pensamentos e intenções que vão muito para além da simples prosa. Não deixa de ser irónico de como estes eventos, de 1851, ainda hoje podem ser revisto no recente conflito entre russos e tchetchenos, volvido mais de século e meio.

O tempo e a modernidade vieram a dar razão às convicções de Tolstói. Só uma boa educação moral e técnica, baseada no respeito pela liberdade individual política e religiosa, poderia ser um garante de um futuro melhor para a Rússia e suas gentes. Como último exemplo, Tolstói não quis de deixar de prestar a sua homenagem a Hadji-Murad, um símbolo de auto-sacrifício pela sua comunidade, de polidez e honradez; de como pode ser a vida arrastada por uma tal força e que desperdício é ver essa força tão facilmente destruída pela fraqueza das outras.

sábado, novembro 28, 2009

Para memória futura!

Boys on the Beach (1910) Young Boys on the Beach – Joaquín Sorolla (1910)

O espanhol Joaquín Sorolla é conhecido por ter captado cenas de praia; explora a luz e os contrastes das suas cores, como poucos. O efeito pictórico dos seus quadros traz-nos à recordação lembranças comuns a todos nós, guardadas nos espaços mais remotos da nossa memória, dos tempos de inocência.

A minha memória ainda é o que era, e é hoje mais do que antes foi. E sublinho hoje porque o amanhã desconheço.

Percebo agora que o título deste texto não faz sentido - mas como é bonito vou deixar ficar na mesma -, não existe isso da memória futura, porque não podemos ter memória do que ainda não aconteceu e, pensando bem, tudo o que fazemos poderá ser passível de memória futura. Uma recente série americana (altamente aconselhável) explora este conceito que na realidade não passa de um vazio retórico.

O tempo acaba por apagar muitas das recordações, persistindo aquelas que resistem à força da passagem do tempo e a esse complexo mecanismo psicológico de arquivo a que recorremos sempre que necessitamos - a chamada memória presente, a única que realmente existe.

Da mesma forma que de um único lugar temos apenas uma perspectiva, e só vemos a partir desse sítio, até onde a nossa vista alcança, o presente é o lugar de onde se observa e de onde se imagina o futuro e se lê o passado, em função das emoções do momento, que nos faz ter a multiplicidade de sentimentos vividos no presente.

A nossa capacidade de regeneração e crescimento é admirável. Sou diferente de ontem mas igual a amanhã, no fundo, sou o que sou hoje sem prejuízo para a minha memória, e enquanto isso acontecer, descanso na lembrança.

sexta-feira, novembro 27, 2009

Hoje sinto-me assim:

I never wanna be old
And I don't want dependents
It's no fun to be told
That you can't blame your parents anymore.

I'm finding it hard to hang from a star
I don't wanna be...
Never wanna be old
.

Sullen and bored the kids stay
And in this way wish away each day
Stoned in the mall the kids play
And in this way wish away each day

I don't really know
If I care what is normal
And I'm not really sure
If the pills I've been taking are helping

I'm wasting my life
Hurting inside
I don't really know
And I'm not really sure...

Sullen and bored the kids stay
And in this way wish away each day
Stoned in the mall the kids play
And in this way wish away each day

E não é tão mau assim…

domingo, novembro 22, 2009

Melhor concerto do ano…

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Porcupine Tree.

The Incident Tour,  no Teatro Sá da Bandeira.

Os adjectivos são poucos para descrever o último concerto desta banda, em Portugal.

Excelentes músicos, trechos musicais inesquecíveis, mesmo os que mais recentes que haviam esfriado os ânimos dos fanboys que existiam dentro de nós. A alma e o cuidado com todos os pormenores (música, vozes, vídeos) estão lá, como sempre estiveram.

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Sâo os Porcupine Tree, com uma dinâmica que parece renovar-se com a passagem dos anos, tornando, para todos os que tiverem a felicidade de estarem presentes, a noite de ontem um momento memorável, conquistado com as virtudes com que sempre nos habituaram, mas com um carisma novo e totalmente surpreendente, para quem conhece o carácter humilde dos seus protagonistas.

quinta-feira, novembro 19, 2009

A “Brasileirinha Perigosa”

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S. João da Madeira tem mais uma razão para ser a melhor cidade do Norte do país para se viver (estudo UBI 2009)! Desta vez, aos habitantes do centro de São João da Madeira tem sido oferecidos filmes pornográficos de uma certa "brasileirinha perigosa".

Regininha Poltergeist é o nome da artista de variedades que tem deixado um rasto de comiseração nos habitantes de São João da Madeira ainda não contemplados com a  bondade do filantrópico anónimo que tem distribuído,  gratuitamente, pelas caixas do correio, filmes com pornografia gostosa, onde a “brasileirinha” (que fala muito pouco) e os “seus inseparáveis companheiros” empreendem uma série de aventuras fantásticas de concúbito e promiscuidade inenarráveis.

A dona Ana Maria já recebeu 6 DVDs diferentes e teme que algum dos seus filhos descubra. Minha cara amiga, se está a ler Os Amendoins do Ricky, nada tema, os seus filhos na casa dos 30, já visitaram – isto com uma probabilidade a roçar os 90% –, o NightStars em Bustelo, ou o Felina, ali a 300 metros da Nossa Senhora dos Milagres. Acredito, por isso, que não será nenhum milagre que os seus filhos, largadotes já da papa maizena, vai para uns anitos, tenham já entrado em contacto com a natureza extravagante do sexo feminino.

O assunto está rotulado de delicado e sensível pelas autoridades e ”vítimas” deste “mundo estranho”. Concordo completamente, a insatisfação de uns pelo realizar do sonho de outros, faz-nos perceber o quão desfigurada pode ser a escala de valores e de importância das pessoas, reforçando a acepção da palavra ingratidão.

Não obstante, e imbuídos por este anónimo benfazejo de entrega à sua comunidade, apresentamos, em baixo, uma foto da querida Brasileirinha Perigosa, pronta para justificar o seu nome – Poltergeist, em posição de indelével talento e de compenetrado esmero pelo seu ofício.

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 Etiquetas Extra: São João da Madeira; Qualidade de vida; Filantropia; Qualidade de vida; Brasileirinha; São João da Madeira; Qualidade de vida; Dona Ana Maria; Qualidade de vida; Papa Maizena; São João da Madeira; Qualidade de vida; Homens de 30 anos que não sabem o que é um clítoris; São João da Madeira; Qualidade de vida; Sexo Gostoso; Qualidade de vida; Castro de Almeida; São João da Madeira; Qualidade de vida; Oliva Porno Factory; São João da Madeira; Qualidade de vida; Perigosas; Paços da Cultura de São João da Madeira; São João da Madeira; Qualidade de vida; CTT; Grátis; São João da Madeira; Qualidade de vida; Dica da Semana; A PSP tem mesmo muito que fazer; São João da Madeira; Qualidade de vida;

segunda-feira, novembro 16, 2009

Porcupine Tree – The Incident Tour

Próximo dia 20 e 21 de Novembro, no Incrível Almadense e Teatro Sá da Bandeira, respectivamente.

 

 

Se tiverem em casa Ipods para destruir, tragam-nos. O Steven terá todo o gosto em os inutilizar; é uma das suas especialidades, a par da composição musical.

Hello my name is Steven Wilson, and i am also handy at doing this: 

 

The moon shook and curled up like gentle fire
The ocean glazed and melted wire
Voices buzzed in spiral eyes

Stars dived in blinding skies

Stars die. Blinding skies.

Tree cracked and mountain cried
Bridges broke, window sighed
Cells grew up and rivers burst
Sound obscured and sense reversed

Idle mind and severed soul
Silent nerves and begging bowl
Shallow haze to blast a way
Hyper sleep to end the day

 

Much better Steven, much better…

 

Até sábado!

quinta-feira, novembro 12, 2009

O Cão Meio Submerso

half-submerged dogPerro semihundido  (1821 – 1823) de Goya. 

A vida é um grande enigma, uma roleta russa de acasos, um sortido de escolhas, sortes e azares. Os caminhos que se trilham nem sempre são perceptíveis, e as rasteiras pelo caminho tem a virtude de nos expor às nossas indubitáveis fragilidades.

Um cão afundado num terreno, com a cabeça de fora, atrás de um declive, a olhar para cima e com um olhar quase humano, expõe o paralelo entre a fragilidade e o enigma.

É impossível de determinar o genuíno propósito de Goya com esta pintura, possivelmente inacabada e retirada da sua “Quinta del Sordo” no conjunto de quadro negros, já aqui abordados.

O vasto espaço vazio que ocupa grande parte da pintura, acima de uma pequena cabeça isolada de um cão, e a fitar algo que parece estar fora da pintura, potenciada pela escassez de adornos, ajuda a  transmitir uma sensação de desassossego e ansiedade, que se tornou uma das maiores fontes de inspiração para muitos artistas contemporâneos, em vários domínios da arte.

O seu minimalismo e a sua completa falta de organização formal constituiu um precedente na pintura abstracta, mas também um precedente no olhar compadecido pelo sentir da vida.

segunda-feira, novembro 09, 2009

Um muro e várias bananas

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Diz um miúdo da Alemanha Ocidental para outro, do lado de lá do muro:

Eu tenho uma banana! Eu tenho uma banana!

O miúdo do lado leste queixando-se, diz ao pai:

- Oh pai! Está ali um menino do lado ocidental a dizer que tem uma banana.

Responde o pai:

- Diz-lhe que tens o socialismo, filho.

No dia seguinte, o miúdo do lado ocidental lá estava a repetir o mesmo:  Eu tenho uma banana! Eu tenho uma banana!

Retorquiu o de leste: Mas eu tenho o socialismo.

Eu também o vou ter - disse o de ocidente.

Ao que derradeiramente respondeu o miúdo de leste: E vais ficar sem a banana! E vais ficar sem a banana!

domingo, novembro 01, 2009

Ler, mais que ver 389x152

A Segunda Guerra Mundial de Martin Gilbert (1989)

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Conhecer o passado é fundamental para perceber o presente. Conhecer o nosso passado recente é inevitável para que nos possamos situar no presente, e entender realidades e sensibilidades para além das nossas, que por ignorância não compreendemos e rejeitamos. Conhecer a história é bem mais do que saber meros números e factos, é aprender sobre origens, princípios, fundamentos, direitos e deveres. Conhecer e ter memória pode ajudar-nos a ser melhores do que aquilo que somos, e é por este pormenor escapar ao entendimento da maioria das pessoas, que a história continua a ser vista com tanto desdém e relegada para uma posição subalterna do que se estipula que devam ser os vulgares conhecimentos de um indivíduo.

Have you ever heard these words? Portão de entrada de Auschwitz, um dos mais conhecidos e conservados campos de concentração alemães com a inscrição: “O trabalho vos libertará.”

O conceituado historiador inglês, Martin Gilbert, biógrafo oficial de Winston Churchill e autor de livros sobre a história mundial, como: História de Israel, A Primeira Guerra Mundial e Churchill: Uma Vida, promove, de forma impar, um acervo de informação sobre esse devastador e horripilante acontecimento da história contemporânea, que foi a Segunda Guerra Mundial. Mais de 1000 páginas dos 2174 dias de guerra e posteriores meses, aos quais dedica dois capítulos intitulados: “Retribuição e memória, 1945-1952” e “Um caso interminável, 1953-1989”, dedicado às cicatrizes e feridas por sarar que a guerra deixou nos homens e países que nela participaram. A ilustrar toda a narrativa há 130 fotos e 28 mapas, preparados especialmente pelo autor para este livro, revelando as centenas de lugares mencionados no texto, dos mais conhecidos, aos mais longínquos.

The Manila Bomb Uma entre os milhões de bombas largadas em cidades europeias, durante o conflito, devastando e mudando a face destas regiões para sempre.

Uma leitura seguida e compulsiva, deste livro, não é para todos os estômagos, principalmente, e tendo em conta a narração extensa e minuciosa de um role interminável de mortandades. No entanto, Martin Gilbert teve o cuidado de organizar este livro de forma a que este pudesse ser também uma fonte de consulta acessível e esporádica, com uma inteligente divisão de capítulos e um eficaz índice remissivo.

A guerra começou a 1 de Setembro de 1939 - fez neste ano, de 2009, 70 anos – com a invasão da Polónia pela Alemanha Nazi, sob o pretexto fabricado de “um assalto polaco” à estação de rádio, da cidade alemã de Gleiwitz. A partir daí foi dado o mote para a desmedida violência que as tropas alemãs, e os seus aliados, impuseram às dezenas de estados que invadiram, capitais que cercaram e povos que subjugaram. A superioridade técnica e militar, aliada à cumplicidade soviética dos primeiros anos da guerra, permitiu que rapidamente toda a Europa Central e do Norte estivesse de joelhos perante os exércitos de Hitler e Estaline. Do outro lado, os Aliados, liderados pela Inglaterra de Churchill viam mais uma das suas potências cair perante a força dos países do Eixo – a França, ao mesmo tempo que a Itália do interesseiro e cobarde Mussolini se juntava aos seus parceiros déspotas. Ao mesmo tempo que Hitler e as suas SS criavam as suas máquinas de extermínio, a Alemanha declarava guerra ao seu anterior aliado Soviético. Os Estados Unidos, apesar de sempre terem apoiado as potências Aliadas, com o fornecimento de material militar e civil, manteve-se neutral, mesmo quando os submarinos alemães já afundavam navios mercantes americanos. Só com a declaração de guerra alemã é que Roosevelt assumiu a entrada na guerra, empurrada pelo ataque japonês a Perl Harbour. Se os países do eixo espalhavam o terror pela Europa, no oriente era o Japão imperial tomar como modelo os métodos alemães, espalhando o terror pelo Pacífico e conduzindo uma guerra sangrenta e suicida, mesmo quando a derrota era certa.

Conferência de TeerãoRoosevelt, Churchill e Estaline na Conferência de Teerão, a 30 de Novembro de 1943. O bolo de aniversário era para comemorar o 68.º aniversário de Churchill. A conferência tinha começado no dia anterior.

Se a inicial supremacia militar alemã foi fundamental para o desenvolvimento dos acontecimentos, a arma decisiva dos aliados, desde o inicio da guerra, foi o decifrar das mensagens secretas Enigma, pelos cripto-analistas britânicos de Bletchley, e de todos os códigos subsequentes, que as autoridades políticas e militares do Eixo trocavam entre si, proporcionando que uma grande quantidade de informações fossem conhecidas por antecipação às acções no terreno, permitindo aos Aliados, não raras vezes, estarem um passo à frente dos seus beligerantes.

Dos dois lados, a aposta no desenvolvimento tecnológicos das armas de guerra era uma preocupação constante, que acabou por culminar, com a construção das primeiras bombas atómicas, pelos Estados Unidos. Uma arma com um poder de cerca 20 000 a 30 000 toneladas de TNT, largadas, durante a guerra, sob Hiroshima, a 6 de Agosto de 1945 e Nagasaki, a 9 de Agosto de 1945, levando à rendição do até então insubmisso Japão, três meses após a tomada de Berlim.

Ghost Prisioneiros de guerra alemães, das gulags soviéticas, campos de trabalho que se estima que tenham feito tantas vítimas como os campos de extermínio alemães.

A esta guerra não se compara nenhuma outra. Além de ter percorrido todos os continentes, pela primeira vez na história, uma guerra não se limitou a opor exércitos contra si, colocou como propósito e no centro da batalha populações, grupos étnicos, homens, mulheres, velhos e crianças, perseguidos e exterminados, em nome de um ódio racial propagandeado por um grupo de fanáticos. Hitler e os seus pares conseguiram despertar o que de mais vil e sádico pode encerrar o espírito humano, conduzindo uma das maiores infâmias da história da humanidade.

Hitler and Himmler

À direita, Hitler, o Führer da Alemanha nacional socialista, autor do livro Mein Kampf, onde difundiu as suas ideias racistas e anti-semistas, ideologia que o guiou na Segunda Guerra Mundial. À sua esquerda, Heinrich Himmler, um dos seus maiores apoiantes, responsável pela resolução da questão final judaica.

As marcas, deste conflito, ainda são hoje visíveis, nas linhas que traçam as fronteiras dos países, nas organizações mundiais que se criaram num esforço de paz, nas guerras regionais que se vieram a observar, anos mais tarde, na política e nos dirigentes que fazem a nossa história recente e nos traumas físicos, psicológicos e sentimentos recalcados que se continuam a observar nos dias de hoje, nos descendentes desta guerra. Ainda recentemente tivemos um exemplo bem elucidativo deste clima de desconfiança que continua a pairar sobre muitas sensibilidades, com a exigência  da República Checa, à União Europeia, para que os alemães e húngaros, expulsos do território, após a Segunda Guerra Mundial, não tenham o direito de reivindicar devoluções ou compensações, de forma a ratificarem o Tratado de Lisboa.

Hungry Citizens Episódio transcrito, no livro, do relato de um oficial polaco, durante o cerco alemão a Varsóvia: “Assisti hoje a uma cena reveladora. Um cavalo foi atingido por uma bomba e caiu na rua. Quando, uma hora mais tarde, tornei a passar pelo mesmo sítio, já só restava o esqueleto. A carne tinha sido tirada pelas pessoas que viviam nas imediações.

A narrativa atraente, cronológica e detalhada, deste livro, recupera todos os acontecimentos relevantes da guerra, em todas as frentes (terra, mar e água), cruzando documentos oficiais, resumos de estratégia militar, memórias de diários e relatos, na primeira pessoa, de sobreviventes. Histórias de coragem, heroísmo, desespero e grande sofrimento, em que a políticos, generais, soldados e civis anónimos é dada a mesma importância, no cenário de horrores que foi estar atrás das linhas sob ocupação e em todos os lugares onde o barulho das bombas e os gritos desesperados de morte se fizeram sentir.

quinta-feira, outubro 29, 2009

Saturno devora um dos seus filhos.

Saturn devouring one of his sonsSaturn devouring one of his sons (1821-1823) de Goya

O dia 1 de Novembro é, como que democraticamente, o dia de todos os santos. Na noite anterior celebra-se um género de festa da cultura kitsch, implementada não se sabe bem porquê e para quê - o Halloween. Quem me conhece sabe que nunca gostei de fantasias. Não gosto de me cruzar com indivíduos vestidos de palhaços no Carnaval, e pela mesma ordem de razão, não gosto do Halloween pelas bruxas e pelos macacos fantasmagóricos que por vezes se passeiam com elas, nessa noite.

Os apreciadores dizem que é giro pintar a cara, usar chapéus, vassouras, roupa preta, máscaras que metam medo ao susto e afugentem assim os espíritos que no dia seguinte se irão velar. Trick or treating e temos mais uma oportunidade de nos embebedarmos e esquecermo-nos momentaneamente dos nossos medos, aqueles do nosso mundo, o real.

A sensatez, apesar de não nos acompanhar a maioria das vezes, anda de braço dado com aquela nossa necessidade de sobrevivência. E é com ela que temos medo. O medo do desconhecido, do maior desconhecido de todos - a morte.

É este tipo de tormento que me assusta. Um tormento que leva alguém, como Goya, a reinventar-se num rebate sem ordem e sentido. Na depressão do seu caos o espanhol adornou as paredes de sua casa com as pinturas que mais tarde viriam a constituir os seus últimos trabalhos, os chamados quadros negros (representações de ódio, terror e mal).

O mais impressionante e elucidativo, deste conjunto, é a reprodução da cena mitológica em que um decrépito Saturno, deus romano do tempo, devora um dos seus filhos recém-nascido, por medo que este tome o seu lugar. Esta lúgubre e horrífica cena, centrada no monstro esgazeado do deus Saturno, corresponde às preocupações particulares de um Goya isolado, já no final da sua vida, e angustiado pela perda do poder e da dissolução da força do indivíduo, à medida que se aproxima do fim da sua vida.

Eis o verdadeiro Halloween! O sumir das forças, o definhar da vida, com a passagem dos anos - a velhice e o ocaso, que faz com que tudo o resto não tenha importância nenhuma, e para o qual, não há trick-or-treating que nos redima.

terça-feira, outubro 27, 2009

Notáveis 7ª arte

Palombella Rossa de Nanni Moretti (1989)

Palombella Rossa é um dos mais conhecidos filmes do repertório bizarro do cineasta italiano Nanni Moretti. A história desenrola-se a partir da amnésia pós-traumática de um conhecido jogador de polo aquático e, ao mesmo tempo, importante dirigente do Partido Comunista em Itália (imagem biográfica do jovem Nanni Moretti). É num campo de polo aquático que o personagem da história, Michele, tenta reposicionar-se de novo no mundo, num sucessivo aparecimento de fragmentos de memória e personagens, autênticos demónios, que o atormentam ao longo da narrativa. Mais que reposicionar-se a si mesmo, o filme centra-se na indefinição dogmática do Partido Comunista pós-queda do muro de Berlim (1989), claramente uma investida político-filosófica sobre a questão existencial de um partido que luta contra um sistema ao qual, paradoxalmente, pertence. Sobre este respeito, Michele busca uma resposta concreta mas não a ousa encontrar, perdido no desespero de uma névoa de indefinições e contradições.

É pois nesse jogo de polo aquático interminável, perante um público estranho e tendencialmente perigoso (uma amostra do mundo?), que o seu destino e o do Partido Comunista acabam por ser traçados. É este público que Michele tenta convencer. Por outro lado, tudo isto, que num momento é o debate do século, é reduzido a nada assim que o clímax do filme Doctor Zhivago (David Lean), a passar numa televisão do bar da piscina, surge, atestando este sentimento humorístico irónico presente ao longo do filme. Excelente interpretação de Nanni Moretti, versátil, cómico, dramático e explosivo, verdadeiramente a coluna dorsal de Palombella Rossa.


"Eu sou comunista (...) Nós somos iguais, mas diferentes"