Andrei Tarkovsky, cineasta russo da segunda metade do século XX, considerado um dos melhores de sempre na sua área, foi responsável por uma “nova linguagem” no cinema. Os seus filmes decompõem o drama tradicional, são envoltos num onirismo intenso que, subtilmente, extrapola a acção para uma realidade paralela – um laboratório onde testa ideias, filosofias, conflitos interiores, sentimentos humanos. A contribuir para isso, os planos pouco convencionais utilizados nas filmagens que ainda hoje são motivo de admiração.
Andrei Rubliov (em russo Andrei Rublev) foi um dos seus primeiros e melhores filmes (senão mesmo o melhor). É retratada a vida do icónico monge e pintor russo Andrei Rubliov, com acção centrada nos inícios do século XV. São percorridos diversos episódios marcantes da vida de Rubliov, episódios esses com paralelismo na própria história Russa (o terrorismo dos tártaros contra as cidades russas) ou civilizacional (a guerra paganismo – cristianismo, ou o sonho do Homem de voar). É interessante a forma como o personagem evolui, vincado pelos sucessivos e marcantes episódios. Tarkovsky teve o génio de mostrar alguns deles como se fossem sonhos, ou melhor, quase como se parecessem as próprias recordações longínquas de Rubliov. A cena em que é confrontado com o culto pagão, a curiosidade e o terror indescritível que lhe invocaram aquele bando de mulheres nuas, correndo pela floresta em noite cerrada, sob batidas tribais frenéticas, quase demoníacas, é particularmente memorável. Todos os pormenores são, como seria de se esperar, pensados ao pormenor, desde os efeitos sonoros à posição das personagens em cena, ao simbolismo de alguns pormenores.
E se Rubliov era, no princípio da sua vida, um optimista, um defensor da intrínseca bondade humana, contrapondo as observações negativistas do seu mestre, com o decorrer dos anos foi ficando reduzido a um silêncio infitinito, como se nada pudesse acrescentar à corrupção humana, da qual segundo ele, também fez parte. Mas eis que, como que por milagre, acaba por conhecer, no ser mais improvável, a sua alma oposta, levando-o a repensar novamente a sua existência. Por aquela altura, o implacável príncipe russo procurava um homem capaz de fazer um sino monumental para a reconstrução de uma catedral. Do meio de uma aldeia destroçada pela peste, um rapazito de 15 anos, recém-órfão, num grito de alma sequento de vida, diz conhecer o segredo da fundição, ser capaz de dirigir um grupo de centenas de homens, e de fazer o sino tocar para o príncipe.
Se palavras me faltaram para descrever esta pérola, um clássico dos clássicos, onde a simbiose argumento/realização é exemplar, ainda por cima tendo por base factos reais, remeto para a Academia Europeia de Cinema e Televisão, que o considerou, em 1995 (era pré-Dracula 3000 é certo : D), um dos 10 melhores filmes de sempre. Altamente recomendável.
"O artista existe porque o mundo não é perfeito. A arte nasce de um mundo degenerado." Andrei Tarkovsky
1 comentários:
Palavras para quê?
Um filme hipnotizante de um realizador que conquista a cada descoberta a minha admiração.
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