Viridiana de Luis Buñuel (1961)
“Deus e o estado são uma equipa imbatível; conseguem bater todos os recordes de opressão e derramamento de sangue.” Luis Buñel
Quem nunca sentiu repulsa e desprezo por outros seres humanos? Inevitavelmente nenhum de nós. Esse sentimento por quem é diferente, mas no fundo, igual, é um dos mais flagrantes remates da tosca natureza, à qual nos é difícil escapar.
O espanhol Luis Buñuel, autor desta película, com fortes ligações ao surrealismo, amigo íntimo de Salvador Dalí e García Lorca, emigrado nos Estados Unidos após a guerra civil espanhola, foi convidado pelo ditador Franco (num esforço de revitalizar a cultura espanhola), em 1960, a regressar a Espanha. O primeiro resultado foi Viridiana, um conto moralista virado do avesso que lhe valeu a censura e a repressão da Igreja e do Estado por blasfémia e obscenidade.
Viridiana é considerada a sua obra-prima (ganhou a Palma de Ouro do festival de Cannes, em 1961) e é a reprodução ipsis verbis do seu pequeno universo subversivo, em que o contraditório e o dualismo entre o belo e o grotesco assume o papel principal.
Quando uma jovem freira (Viridiana), prestes a entrar no de sistema de reclusão do seu convento, após de vários anos de preparação, é abordada pela sua madre superiora para visitar o seu benemérito e viúvo tio durante uns dias, antes do seu recolhimento final, dificilmente seria de expectar as repercussões que tal visita de cortesia poderia vir a ter. O velho e solitário homem encontra curiosas parecenças físicas entre Viridiana e a sua falecida noiva (tia de Viridiana), o que o faz entrar numa espiral de alienação e obsessão, que acaba por culminar numa vergonhosa e desesperada humilhação, replicada num sentimento de culpa, que decide o destino das personagens.
Embrulhada pelo destino, Viridiana é uma mulher de grande bondade, de intenções puras e inocentes (bem para lá da sua fé religiosa) o que a leva a criar uma comunidade de mendigos e outros degenerados da sociedade. O último terço do filme acaba por assumir uma inesquecível e vertiginosa velocidade, deliciosamente divertida, com uma sucessão de cenas anárquicas de como é, a título de exemplo, a recriação da última ceia de Leonardo Da Vinci ao som de Hallelujah Chorus, do oratório Messiah de Händel, captada pelo nada conveniente levantar de saias de uma das mendigas.
Treze dos excluídos recolhidos por Viridiana à mesa, com o cego do grupo no centro, no lugar de Jesus.
Acutilante e incomum, Buñuel capta a perversidade e alguns dos anseios mais desprezíveis do homem, por muitos ideais elevados que estes possam sugerir (conseguimos variar entre a simpatia e a repulsa a uma mesma personagem, numa única cena), quer vivam na rua ou em grandes mansões. Este filme poderia ser apenas uma manifesto anti-religioso, um ataque às diferentes classes sociais, às instituições que encurralam em grupos seres humanos à parte de tudo e de todos, mas consegue ser bem mais do que isso – chega a ser um absurdo cómico ao primitivismo e um derradeiro coice de mula à pertença complexidade humana.
1 comentários:
Que coragem, que ousadia, que classe! Se na altura valeram-lhe o desprezo e o insulto, hoje valem-lhe a "imortalidade" : )
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