quarta-feira, dezembro 30, 2009

Imperatriz Isabel de Portugal

La emperatriz Isabel de Portugal de Tiziano (1548) La emperatriz Isabel de Portugal de Tiziano (1548)

A mais bela de 2009, até ao momento e enquanto o desmentido da mais bela princesa portuguesa de todos os tempos, não for levantado.

Filha de D.Manuel I, cedo se viu obrigada emigrar para Espanha por vontade das cortes, para cumprir um sagrado casamento com Carlos I de Espanha, ou Carlos V, Emperador del Sacro Imperio Romano Germánico, como o extenso território sob sua alçada e sobranceria exigiam. O seu filho, Filipe, acabaria por vir a ser rei de Portugal, iniciando o triste episódio da perda de soberania Portuguesa, nas trapalhadas da sucessão para os seus vizinhos ibéricos.

Foram alguns os frescos deixados à história que confirmam os relatos da sua beleza. O que se apresenta é da autoria de Ticiano - artista veneziano ao serviço de Carlos V -, e tem honras de dar as boas-vindas aos visitantes do Museu del Prado, em Madrid.

O mais curioso deste retrato é este ter sido pintado depois da morte da Imperatriz Isabel, baseando-se o autor, num retrato da imperatriz destruído no incêndio do Palácio do Prado, em 1602. Acreditando tanto no talento de Ticiano, como na beleza de D. Isabel de Portugal, e com a falta de negativos à época, deixemos à actualidade a certeza da prova que em tempos Portugal foi sinónimo de uma beleza feminina maior, em consórcio com a mais poderosa e proeminente figura da Europa, pelo menos, até ao namoro de Merche Romero com o nosso airoso CR7.

 

Mesmo sabendo que nem tudo o que conta pode ser contado e nem tudo que é contado conta, um próspero 2010.

 

E um fraterno até lá.

terça-feira, dezembro 29, 2009

Diz-me o porquê

dessa canção tão triste

 

O talentoso músico/poeta Manuel Cruz continua a ser, apenas, timidamente reconhecido. Será por ter nascido em Portugal? Será por ser do Porto? Será por não aparecer na televisão? Será por não tem curvas atractivas?

Será por nada e por tudo isto?

Aqui merece aparecer. Em repeat, se faz favor.

Foge Foge Bandido – O Amor Dá-me Tesão – Não Fui Eu Que Estraguei

segunda-feira, dezembro 28, 2009

Deixa do Aleixo #3

2515187896_497d2beeaa Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.

domingo, dezembro 27, 2009

Notáveis 7ª arte

Viridiana de Luis Buñuel (1961)

viridiana cv

“Deus e o estado são uma equipa imbatível; conseguem bater todos os recordes de opressão e derramamento de sangue.”  Luis Buñel

Quem nunca sentiu repulsa e desprezo por outros seres humanos? Inevitavelmente nenhum de nós. Esse sentimento por quem é diferente, mas no fundo, igual, é um dos mais flagrantes remates da tosca natureza, à qual nos é difícil escapar.

O espanhol Luis Buñuel, autor desta película, com fortes ligações ao surrealismo, amigo íntimo de Salvador Dalí e García Lorca, emigrado nos Estados Unidos após a guerra civil espanhola, foi convidado pelo ditador Franco (num esforço de revitalizar a cultura espanhola), em 1960, a regressar a Espanha. O primeiro resultado foi Viridiana, um conto moralista virado do avesso que lhe valeu a censura e a repressão da Igreja e do Estado por blasfémia e obscenidade.

Viridiana é considerada a sua obra-prima (ganhou a Palma de Ouro do festival de Cannes, em 1961) e é a reprodução ipsis verbis do seu pequeno universo subversivo, em que o contraditório e o dualismo entre o belo e o grotesco assume o papel principal.

Quando uma jovem freira (Viridiana), prestes a entrar no de sistema de reclusão do seu convento, após de vários anos de preparação, é abordada pela sua madre superiora para visitar o seu benemérito e viúvo tio durante uns dias, antes do seu recolhimento final, dificilmente seria de expectar as repercussões que tal visita de cortesia poderia vir a ter. O velho e solitário homem encontra curiosas parecenças físicas entre Viridiana e a sua falecida noiva (tia de Viridiana), o que o faz entrar numa espiral de alienação e obsessão, que acaba por culminar numa vergonhosa e desesperada humilhação, replicada num sentimento de culpa, que decide o destino das personagens.

Embrulhada pelo destino, Viridiana é uma mulher de grande bondade, de intenções puras e inocentes (bem para lá da sua fé religiosa) o que a leva a criar uma comunidade de mendigos e outros degenerados da sociedade. O último terço do filme acaba por assumir uma inesquecível e vertiginosa velocidade, deliciosamente divertida, com uma sucessão de cenas anárquicas de como é, a título de exemplo, a recriação da última ceia de Leonardo Da Vinci ao som de Hallelujah Chorus, do oratório Messiah de Händel, captada pelo nada conveniente levantar de saias de uma das mendigas.

bscap0003 Treze dos excluídos recolhidos por Viridiana à mesa, com o cego do grupo no centro, no lugar de Jesus.

Acutilante e incomum, Buñuel capta a perversidade e alguns dos anseios mais desprezíveis do homem, por muitos ideais elevados que estes possam sugerir (conseguimos variar entre a simpatia e a repulsa a uma mesma personagem, numa única cena), quer vivam na rua ou em grandes mansões. Este filme poderia ser apenas uma manifesto anti-religioso, um ataque às diferentes classes sociais, às instituições que encurralam em grupos seres humanos à parte de tudo e de todos, mas consegue ser bem mais do que isso – chega a ser um absurdo cómico ao primitivismo e um derradeiro coice de mula à pertença complexidade humana.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Agora a sério.

Feliz Navidad

The Birth 1597 - Barocci The Nativity (1595) de Frederico Barocci

Para lá das questões artificias desta época natalícia, o ressurgimento a cada ano dos valores da partilha, da solidariedade e da “família”, mesmo encobertas pelo ininterrupto manto do simbólico, é uma bela soberba que a nossa tradição cristã nos deixou.

Por muitas simpatias ou antipatias que possamos ter por este período, a demonstração de um aceno; seja embrulhado em papel, no formato de mensagem de telemóvel, de um telefonema de alvitre ou da simples presença daqueles (que como nós), se engolem na correria da vida, e vêem perdida a candura, subitamente reencontrada no festejo, é algo de nobre que a tradição nos traz.

É de uma combinação entre um género de naturalismo e místico,  de um aproximar dos corpos no espaço, que se desfruta deste procedimento natalício, bem mais regulamentar do que as linhas traçadas por Federico Barocci - pintor maneirista italiano do séc XVI e XVII, discípulo da escola de Tintoretto e Ticiano - no seu fresco “O Nascimento”, para o último duque de Urbino – Francesco Maria II della Rovere.

O fresco de cima compõem a cena original do estábulo, pela mão de Barocci, do menino Jesus nas palhas deitado, perante a contemplação da Virgem Maria e a incitação de José, perante o nascimento do messias. Apesar de seguidor da rígida escola veneziana, Barocci diferenciou-se pelo seu estilo peculiar na utilização da cor e da luz, e do destacado realismo que imprimiu às suas personagens. Foi por estes motivos considerado único, num tal de naturalismo místico, aproveitando a atmosfera poética que uma cena sagrada proporciona.

Efémera, desvirtuada, insuficiente, insignificante, dogmática, tudo se pode dizer sobre a atmosfera que rodeia o Natal. Mas da satisfação (por muito momentânea que seja), da reunião, da partilha, da alegria da criança, da recordação e do convívio genuíno, entre um naco de bacalhau e uma rabanada, continuará a rezar a história do Natal português, pela mão dos maneiristas do nosso tempo.

A tradição ainda é o que era, e oxalá continue a sê-lo.

Mensagem de Natal (muito importante)

 

Apenas no dia de hoje, na Fnac do Colombo e do Arrábida Shooping, Bundle 10 filmes Blu-ray + PlayStation 3 – 120GB, pela singela quantia de 349,99€.

 

 

c2200014838523 Inclui, a saber:

■ Uns Espartanos do Pior
■ Frankenstein Junior
■ Ficheiros Secretos: Quero Acreditar
■ Loucuras em las Vegas
■ Eu, Ela e o Outro
■ O Diabo Veste Prada
■ Correio de Risco 2
■ Horton e o Mundo dos Quem
■ O Acontecimento
■ Dragonball Evolução
■ PlayStation 3 - 120GB
■ Comando DualShock 3

Ah! E UM ÓPTIMO E SANTO NATAL; QUE TODOS OS VOSSOS DESEJOS SE CONCRETIZEM; COM MUITAS PRENDAS NO SAPATINHO; e etc e tal que o Jesus está quase na palhinhas deitado.

500x500 

(Ufa! Que isto do Natal não deve fazer nada bem às coronárias…)

PS.1: E sim, como é politicamente correcto dizer, o capitalismo é execrável, mas seria muito gostoso que ele me proviesse uma Playstation 3 (ver em cima). 

PS.2: Parem de me mandar mensagens de Natal, o meu telemóvel está a ficar sem bateria.

PS.3: É este ano que vou comer uma filhó.

PS.4: O Pai Natal existe e está no 8ª Avenida, em S. João da Madeira, das 10h até às 18h do dia de hoje.

PSD: O Cavácu não presta.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Músicas de 2009 #2
Doves - Kingdom of Rust


Talvez a melhor música do ano. Um clássico instantâneo, intenso. Com mensagem e letra saídas da alma. Para quem ainda não ouviu, a prendinha de natal do blogue ; )

Músicas de 2009 #1
Animal Collective - Summertime Clothes


A fusão mais assertiva e original de hard rock e techo sofisticado. A não perder do mesmo álbum: My Girls e Brother Sport.

domingo, dezembro 20, 2009

Notáveis 7ª arte

Andrei Rubliov de Andrei Tarkovsky (1966)

Género: Biografia / Drama / Guerra / História

Andrei Tarkovsky, cineasta russo da segunda metade do século XX, considerado um dos melhores de sempre na sua área, foi responsável por uma “nova linguagem” no cinema. Os seus filmes decompõem o drama tradicional, são envoltos num onirismo intenso que, subtilmente, extrapola a acção para uma realidade paralela – um laboratório onde testa ideias, filosofias, conflitos interiores, sentimentos humanos. A contribuir para isso, os planos pouco convencionais utilizados nas filmagens que ainda hoje são motivo de admiração.

Andrei Rubliov (em russo Andrei Rublev) foi um dos seus primeiros e melhores filmes (senão mesmo o melhor). É retratada a vida do icónico monge e pintor russo Andrei Rubliov, com acção centrada nos inícios do século XV. São percorridos diversos episódios marcantes da vida de Rubliov, episódios esses com paralelismo na própria história Russa (o terrorismo dos tártaros contra as cidades russas) ou civilizacional (a guerra paganismo – cristianismo, ou o sonho do Homem de voar). É interessante a forma como o personagem evolui, vincado pelos sucessivos e marcantes episódios. Tarkovsky teve o génio de mostrar alguns deles como se fossem sonhos, ou melhor, quase como se parecessem as próprias recordações longínquas de Rubliov. A cena em que é confrontado com o culto pagão, a curiosidade e o terror indescritível que lhe invocaram aquele bando de mulheres nuas, correndo pela floresta em noite cerrada, sob batidas tribais frenéticas, quase demoníacas, é particularmente memorável. Todos os pormenores são, como seria de se esperar, pensados ao pormenor, desde os efeitos sonoros à posição das personagens em cena, ao simbolismo de alguns pormenores.

E se Rubliov era, no princípio da sua vida, um optimista, um defensor da intrínseca bondade humana, contrapondo as observações negativistas do seu mestre, com o decorrer dos anos foi ficando reduzido a um silêncio infitinito, como se nada pudesse acrescentar à corrupção humana, da qual segundo ele, também fez parte. Mas eis que, como que por milagre, acaba por conhecer, no ser mais improvável, a sua alma oposta, levando-o a repensar novamente a sua existência. Por aquela altura, o implacável príncipe russo procurava um homem capaz de fazer um sino monumental para a reconstrução de uma catedral. Do meio de uma aldeia destroçada pela peste, um rapazito de 15 anos, recém-órfão, num grito de alma sequento de vida, diz conhecer o segredo da fundição, ser capaz de dirigir um grupo de centenas de homens, e de fazer o sino tocar para o príncipe.

Se palavras me faltaram para descrever esta pérola, um clássico dos clássicos, onde a simbiose argumento/realização é exemplar, ainda por cima tendo por base factos reais, remeto para a Academia Europeia de Cinema e Televisão, que o considerou, em 1995 (era pré-Dracula 3000 é certo : D), um dos 10 melhores filmes de sempre. Altamente recomendável.

"O artista existe porque o mundo não é perfeito. A arte nasce de um mundo degenerado." Andrei Tarkovsky

Hóte Plaicies, cólde plaicies…

 

Itses móre thane juste óile.

Ande sou do why.

sábado, dezembro 19, 2009

O mundo torna a revelar…

www.osamendoinsdoricky.blogspot.com Dez 2008-Dez 2009

Visitas dos mais inauditos locais, aqui, a este blog.

Como já se devem ter apercebido, a malta gosta de coleccionar aplicações que radiografem os visitantes a esta casa. É o contador de entradas, o número de visitantes, ao momento, na página; o defunto Live Traffic Feed que registava só algumas entradas (muito selectivo), o novo coleccionador de bandeirinhas (muito kitsch), o credível sitemeter e este clustrmaps, que ao fim de um ano faz-nos o obséquio de se auto-alimpar.

Para que conste, entre 8 de Dezembro de 2008 e 8 de Dezembro de 2009, o ranking, rating, ou ranting (alguém sabe o quer dizer isto?), de endereços de Ip únicos, que acederam ao blog, ficou assim:

Portugal (PT)    3,817
Brazil (BR)    654
United Kingdom (GB)    343
United States (US)    81
Romania (RO)    29
Germany (DE)    29
Europe (EU)    25
Belgium (BE)    23
France (FR)    22
Slovakia (SK)    22
Spain (ES)    19
Morocco (MA)    9
Switzerland (CH)    6
Sweden (SE)    6
Canada (CA)    5
Australia (AU)    4
Netherlands (NL)    4
Czech Republic (CZ)    4
Norway (NO)    3
Mexico (MX)    3
Angola (AO)    3
Japan (JP)    2
China (CN)    2
Poland (PL)    2
Turkey (TR)    2
Mozambique (MZ)    2
South Africa (ZA)    2
Argentina (AR)    2
Peru (PE)    2
Ireland (IE)    1
Kazakstan (KZ)    1
Algeria (DZ)    1
Macedonia (MK)    1
Paraguay (PY)    1
India (IN)    1
Denmark (DK)    1
Finland (FI)    1
Chile (CL)    1
Russian Federation (RU)    1
Latvia (LV)    1
Bulgaria (BG)    1
Ecuador (EC)    1
Serbia (RS)    1
Slovenia (SI)    1
Macau (MO)    1
Saudi Arabia (SA)    1
United Arab Emirates (AE)    1
Puerto Rico (PR)    1
Venezuela (VE)    1
Luxembourg (LU)    1
Ukraine (UA)    1
Israel (IL)    1
Singapore (SG)    1
Italy (IT)    1

Primeiro lugar do pódio para Portugal (como seria de esperar), seguido do Brasil, com o United Kingdom a fechar as três primeiras posições destacadas. Surpreendente as visitas numerosas e constantes dos USA, Roménia, Alemanha, Europa?, e Bélgica. Uma saudação especial para a “Saudi Arabia” e os “United Arab Emirates”, muito gosto nos dá imaginar árabes por aqui…

Do Japão temos Afrirampo - as estouvadas Afrirampo, com o tema homónimo, esse mesmo, Afrirampo.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

manuel_clemente01

“O homem antigamente procurava a alma, hoje procura as coisas, mas não percebe que o que importa é a alma das coisas.”

D. Manuel Clemente, bispo do Porto, foi o vencedor do prémio Pessoa 2009, um prémio concedido anualmente a personalidades de relevo da vida artística, literária ou científica do país.

Não perderia aqui o meu tempo a destacar uma notícia - mais do que publicitada em todos os órgãos de comunicação social -, não encerrasse ela, no premiado, o exemplo da inteligência, sabedoria e bom senso, que eu me tenho habituado a admirar no carácter humano.

Vivemos numa época em que a moda dita o rebate a tudo o que envolva fé e religião. A laicização das sociedades ocidentais permitiu-nos subir, em catadupa, uma série de degraus na dignidade individual; aproximou as pessoas nas suas diferenças, não obstante, a desumanidade, ganância, venalidade e exploração da “boa fé” dos outros, que parece ser transversal ao tempo e ao nosso ser, independentemente de como as diferentes sociedades se vêm organizam. 

A tolerância, mesmo nas sociedades ditas democráticas, que têm como mais inabalável baluarte a liberdade, é um bem raro, uma virtude frágil, nestes dias luminosos de hipócrita indulgência.

Abjecto fundamentalismos, sejam de que espécie for (talvez por isso sejam eles as minhas fontes favoritas ironia), religiosos ou anti-religiosos deturpam e fracturam as sociedades, e toldam de forma ignóbil os espíritos mais susceptíveis. Estas forças opostas à tolerância, que furiosamente excluem e têm a certeza que os outros estão sempre em erro,  proliferam entre laicos, ateus, agnósticos, crentes e presbíteros – comerciantes ou profissionais da ajuda em troca da fé, da alma, da consciência, do voto ou da moeda.

Ouvir e ler D. Manuel Clemente é um exercício de serenidade, contenção e de respeito pelos outros, de alguém que tenta compreender o que se passa em seu redor para se corrigir a si próprio. É no diálogo para fora da sua cátedra, que se tem distinguido, nestes tempos em que falar só para os seus parece ser um vício de várias profissões e ofícios, resguardando o restrito círculo privilegiado da sua influência, sobrevalorizando-se aos demais e explorando os incautos. O supracitado tem-se oposto a tudo isto, demonstrando que para lá de ideologias políticas ou teológicas, “o critério é sempre a pessoa humana”, como referiu num dos seus textos.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Robert Musil #1

Aproveitando a deixa do Shihan, inicio aqui um ciclo de citações de uma obra grandessíssima e complexa, mas que me está a dar um capricho especial a ler, pela forma lenta como a leio (sabe-se lá porquê).



Todas as profissões, quando não as exercemos por dinheiro, mas por amor, chega um momento em que o passar dos anos nos parece levar a um vazio.


Robert Musil, "O Homem sem Qualidades"

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Deixa do Aleixo #2

cavacosilva_oliveiracosta

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Notáveis 7ª arte Madame Tutli Putli de 

Chris Lavis e Maciek Szczerbowski (2007) Madame Tupli Putli

Madame Tutli-Putli é um pequeno filme de animação canadiano, em stop-motion, que recorre a uma técnica já experimentada em outros filmes do género, de forma a sobrepor imagens, recolhidas de actores reais, nos bonecos que servem de modelos às personagens do filme. Se outras tentativas, nomeadamente a sobreposição de bocas, careciam de sentido estético, a sobreposição de olhos, neste caso, revelou-se fascinante, imprimindo aos bonecos um ar extra de realismo e expressividade, dificilmente igualado por qualquer outra técnica.

Em termos de realce, os impressionantes efeitos visuais são a sua mais indistinta virtude, por obrigar o espectador a ler as emoções nos olhos das personagens, enquanto é presenteado por uma miríade de detalhes que compõem os acessórios que acompanham as personagens e ambientes de cada cena. O árduo e longo trabalho que os autores tiveram de empreender (4 anos), para os curtos 17 minutos de filme, não levou a que descuidassem nenhum pormenor, inclusivamente a banda sonora que cumpre perfeitamente o seu papel de acompanhamento da acção - inicialmente mais bonacheirona, e cada vez mais etérea à medida que se aproxima o final.

Se em termos técnicos Madame Tutli-Putli está irrepreensível, o argumento conquista pelo mistério, remetendo-nos para um universo muito David Lynch, que imprime a derradeira força a esta fábula, reclamando ao espectador a imaginação, antes do aplauso final que já lhe valeu vários prémios, incluindo a nomeação para o Óscar de melhor curta de animação, em 2007.

Madame Tupli Putli face Madame Tutli-Putli é uma personagem triste e delicada (Tutli-Putli é uma palavra hindu que significa marioneta e mulher delicada), que embarca numa viagem de comboio, carregada de bagagens. Não se conhece a sua voz, nem a de nenhuma outra personagem, e isso também não seria necessário, porque a sua viagem e o seu destino partilham uma incontornável lição de vida – são as pequenas coisas que dão brilho à vida, por muito tralha que cegamente e teimosamente continuemos a arrastar desnecessariamente atrás de nós. Muitas vezes, só o sonho e a mais pueril fantasia conseguem baralhar a realidade.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Fantástico Stop-Motion…

                                               Madame Tutli-Putli

 

Não sei o que me merece mais elogios: o detalhe e pormenores da animação (aquela expressividade do olhar….), ou a subtileza do argumento.

Fica ao critério de cada um.

Deixa do Aleixo #1

antonio-aleixo

Não sou particularmente sensível a poesia, gosto dos Pessoas da mesma forma que gosto de marisco – como, e até o podia fazer todos os dias, mas sei que me acabaria por fazer mal, deixar-me indisposto e, possivelmente, encurtar a felicidade na minha vida.

Há ainda a Natália Correia, mas se tivesse de escolher um poeta, como meu predilecto, ele seria sem dúvida António Aleixo, o poeta algarvio, dito iletrado, sentencioso, de ironia sagaz, compôs versos à volta de acontecimentos e de manifestações humanas, em que qualquer um de nós se revê.

A partir de hoje há mais um espaço nos Amendoins - A Deixa do Aleixo é uma forma de partilharmos as palavras deste poeta, as quais tenho muitas vezes presentes comigo, como é o caso destas:

“Para não fazeres ofensas

E teres dias felizes,

Não digas tudo o que pensas,

Mas pensa tudo o que dizes.”

sexta-feira, dezembro 04, 2009

O tempo é espaço

A porta, o tempo e o espaço Qualquer evento que tenha lugar à nossa volta ocorre num determinado lugar e num determinado instante. O lugar pode ser descrito, por exemplo, por coordenadas geográficas, enquanto o instante pode ser descrito pelo dia e pela hora a que ocorreu. Temos sempre duas informações distintas, uma espacial (o local onde ocorreu) e outra temporal (o momento em que ocorreu). Newton postulou a independência destes dois conceitos, defendendo o espaço absoluto e o tempo absoluto.

Mais tarde, em 1734, Martinho de Mendonça Pina e Proença, fidalgo da corte de D.João  V, defendeu o espaço como a ordem dos corpos coexistentes, e o tempo, a ordem das coisas sucessivas. Já na passagem do século XIX para o século XX, uma série de matemáticos e físicos interligaram os dois conceitos: em certas circunstâncias, se dois observadores, Toné e Mánu, medirem as coordenadas de um
mesmo evento ou o momento em que ocorreu, poderão obter resultados diferentes, mesmo que façam as respectivas medições com toda a precisão possível. Para se calcular as coordenadas espaciais obtidas por Toné, não basta saber as coordenadas espaciais que Mánu mediu; é preciso também saber o momento em que, segundo Mánu, o evento teve lugar. E, analogamente, para calcular o momento em que o evento teve lugar quando medido por Toné, é preciso saber não só quando é que ele teve lugar do ponto de vista de Mánu, mas também onde, segundo ela, teve lugar. O espaço e o tempo estão então interligados.

Hermann Minkowski, professor de Einstein, foi o primeiro a demonstrar matematicamente a importância de se ter em conta a relação entre o espaço e o tempo, e desenvolveu um abordagem geométrica da Relatividade, sem a qual Einstein, como o próprio reconheceu, não teria conseguido elaborar com sucesso a sua Teoria Geral da Relatividade.

187 - Einstein é tao credível que até óculos de sol vende Einstein é tão credível que até óculos vende. Imagem captada em Madrid, na legenda anuncia-se: “Donde los genios compran sus gafas.”

Permitam-me agora relativizar estes conceitos matemáticos, que trouxeram o triunfo do intelecto sobre o Universo e que me dão grandes cefaleias de ignorância, abordando este conceito de uma forma bem mais prosaica, explorando de uma forma bem interessante uma forma de olhar para o tempo, no espaço, com a história.

Estima-se em 100 mil milhões a quantidade de seres humanos que já passaram por este planeta, ocupando cada século quatro gerações.***

Imaginemos agora uma longa e densa fila em que cada geração ocupa um espaço, de pé, encontrando-se separada da seguinte, por um metro de distância. Ao percorrer essa fila, em sentido inverso, como quem passa revista à história, 4 metros atrás de nós estaria Einstein a elaborar a lei da relatividade; a 13 metros Napoleão em Waterloo, 16 metros mais encontraríamos no Renascimento com Lourenço de Médici, Leonardo Da Vinci e Galileu; a 80 metros Jesus de Nazaré, e a 100 metros Sócrates na ágora e muito perto Buda debaixo da figueira, um pouco mais além far-nos-iam sinais com a mão os faraós, e logo atrás viria um grande espaço morto, terra de ninguém, e teríamos de começar a contar não em séculos mas em milhões de anos. Teríamos de percorrer mais 400 metros para chegar ao Neolítico. Depois a fila perder-se-ia no horizonte e a 4 quilómetros descobriríamos o Homo sapiens, a 20 quilómetros veríamos o primeiro primata a manejar pela primeira vez o fogo, a 32 quilómetros estaríamos em Atapuerca, e a 320 quilómetros chegaríamos ao reino comum que compartilhámos com os gorilas e chimpanzés.   

Curioso de como nessa imensa fila, de 100 mil milhões de seres, só brilhou a inteligência no ínfimo pedaço final; o resto não passou de um abismo, antes que lentamente, sob essa insondável escuridão, começasse a clarear a consciência. Assombros da vida.

***No El Pais, o articulista Manuel Vicente, apresentou esta ideia com preeminência.