Hadji-Murat de Lev Tolstói (1911)
“No serviço e em casos tão embrulhados, é difícil, se não impossível, seguirmos só um caminho directo, sem arriscarmos errar e sem carregarmos com a responsabilidade; mas quando o caminho nos parece directo temos de o seguir – e seja o que Deus quiser.”
O famoso escritor russo Conde Lev Nikolayevitch Tolstói é mundialmente famoso pelos seus romances Guerra e Paz, e Anna Karénina, dois exemplares maiores da literatura mundial. Porém, em 1904, terminou este livro, que viria a ser a sua última obra, publicada em 1911, já a título póstumo.
Durante a sua juventude Tolstói serviu o exército imperial russo na guerra da Crimeia e do Cáucaso; experiências que acabaram por ter uma importância decisiva nos seus trabalhos literários posteriores. Em 1896, quando fazia um passeio por um terreno lavrado, viu-se a recordar os anos em que esteve alistado às ordens do déspota imperador russo Nicolau I e reparou num bonito cardo partido e torcido pelo lavrar da terra, o qual tentou salvar, sem sucesso. Este episódio acabou por tornar-se uma metáfora com a vida de um famoso chefe e guerreiro muçulmano, da região do Cáucaso, que Tolstói conheceu – Hadji Murat.
Tolstói ao serviço do exército russo, em 1856.
Hadji-Murat, ou mais precisamente Hadji Murad, na pronúncia russa, foi um nome bem conhecido das tropas russas e um herói para as gentes do Cáucaso. Defendeu acerrimamente o seu povo e lançou o terror nas tropas russas, numa guerrilha feita a partir das montanhas. Pertencia à corrente mais pacífica do islamismo, fazendo da honra, da educação e do estrito respeito pelos seus costumes a sua bússola orientadora.
Apanhado entre o fanatismo islâmico do senhor da guerra Imam Shamil, com pretensões em dominar toda a região, e os esforços russos de expansão do seu controlo na zona, acaba por ver a sua família aprisionada e perseguido com os seus homens, por Shamil. Nesta obra é narrada a sua rendição aos russos, com o intuito de ajudar os russos a derrubar Shamil.
Pequeno em tamanho, quando comparado com as obras-mestras de Tolstói, Hadji-Murat é um mordaz e sarcástico, e ao mesmo tempo frio e distante relato do encontro entre duas culturas muito diferentes, da denúncia da corrupção moral e espiritual da monarquia e das elites russas, contrastantes com a simplicidade e o vigor espiritual do “bárbaro” Hadji-Murad.
A tragédia de Hadji-Murad é só mais um apontamento da arte e da visão de Tolstói. Uma história cativante, contada com a mestria de um dos grandes autores russos do século XIX, que torna o desafio da leitura um prazer único, preenchida de experiências, princípios, pensamentos e intenções que vão muito para além da simples prosa. Não deixa de ser irónico de como estes eventos, de 1851, ainda hoje podem ser revisto no recente conflito entre russos e tchetchenos, volvido mais de século e meio.
O tempo e a modernidade vieram a dar razão às convicções de Tolstói. Só uma boa educação moral e técnica, baseada no respeito pela liberdade individual política e religiosa, poderia ser um garante de um futuro melhor para a Rússia e suas gentes. Como último exemplo, Tolstói não quis de deixar de prestar a sua homenagem a Hadji-Murad, um símbolo de auto-sacrifício pela sua comunidade, de polidez e honradez; de como pode ser a vida arrastada por uma tal força e que desperdício é ver essa força tão facilmente destruída pela fraqueza das outras.
2 comentários:
Muito bom! Ainda não li nada de Tolstói.
Viva o Benfica...
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