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sexta-feira, janeiro 08, 2010

A expectativa

Reclining Nude, 1929 - Max BeckmannReclining Nude de Max Beckmann (1929)

Conduz-se pelo desejo e trai-nos maioria das vezes. É a expectativa que nos ajuda a bulir numa determinada direcção - certa ou errada, pecaminosa ou sacra, mais ou menos prosaica (dependendo dos olhos de quem a observa), dá, na pior das hipóteses e a título de dote afiançado, o conforto no dever cumprido.

Só o tempo revela as apostas gastas e as goradas, nesse espírito de quem passa veloz, rápido, mas que se recusa persistentemente, e de forma obstinada, a não sair da frente. O senso comum diz-nos que é a busca do prazer que nos dá o ímpeto para agir. Uma mulher nua pode ser o objecto do reforço necessário para agir, assim como o é a droga para um toxicodependente, mesmo sabendo-se destruído e no caminho da dor e do sofrimento, ou o é o dinheiro, como forma de justificação das maiores indignidades humanas.

Há um paradoxo revelado pela bioquímica que contraria a filosofia do senso comum. A dopamina é uma molécula que se liberta nos nossos neurónios, sempre que as coisas estão a correr no sentido da expectativa desejada. Quando o prazer é alcançado a libertação de dopamina cessa. A expectativa, só por si, não é o suficiente para nos levar a agir, muito menos o próprio prazer, mas sim o esforço feito para alcançar o fim. Por isso, é a dificuldade, os passos dados, as barreiras a ultrapassar que fazem a diligência, intensificam a vontade e nos fazem mexer.

É no adiar da recompensa que se fortalece o desejo, impele-se o ânimo e se termina com a expectativa criada pelo retrato de um texto, que mostra aquilo que não é.

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Imperatriz Isabel de Portugal

La emperatriz Isabel de Portugal de Tiziano (1548) La emperatriz Isabel de Portugal de Tiziano (1548)

A mais bela de 2009, até ao momento e enquanto o desmentido da mais bela princesa portuguesa de todos os tempos, não for levantado.

Filha de D.Manuel I, cedo se viu obrigada emigrar para Espanha por vontade das cortes, para cumprir um sagrado casamento com Carlos I de Espanha, ou Carlos V, Emperador del Sacro Imperio Romano Germánico, como o extenso território sob sua alçada e sobranceria exigiam. O seu filho, Filipe, acabaria por vir a ser rei de Portugal, iniciando o triste episódio da perda de soberania Portuguesa, nas trapalhadas da sucessão para os seus vizinhos ibéricos.

Foram alguns os frescos deixados à história que confirmam os relatos da sua beleza. O que se apresenta é da autoria de Ticiano - artista veneziano ao serviço de Carlos V -, e tem honras de dar as boas-vindas aos visitantes do Museu del Prado, em Madrid.

O mais curioso deste retrato é este ter sido pintado depois da morte da Imperatriz Isabel, baseando-se o autor, num retrato da imperatriz destruído no incêndio do Palácio do Prado, em 1602. Acreditando tanto no talento de Ticiano, como na beleza de D. Isabel de Portugal, e com a falta de negativos à época, deixemos à actualidade a certeza da prova que em tempos Portugal foi sinónimo de uma beleza feminina maior, em consórcio com a mais poderosa e proeminente figura da Europa, pelo menos, até ao namoro de Merche Romero com o nosso airoso CR7.

 

Mesmo sabendo que nem tudo o que conta pode ser contado e nem tudo que é contado conta, um próspero 2010.

 

E um fraterno até lá.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Agora a sério.

Feliz Navidad

The Birth 1597 - Barocci The Nativity (1595) de Frederico Barocci

Para lá das questões artificias desta época natalícia, o ressurgimento a cada ano dos valores da partilha, da solidariedade e da “família”, mesmo encobertas pelo ininterrupto manto do simbólico, é uma bela soberba que a nossa tradição cristã nos deixou.

Por muitas simpatias ou antipatias que possamos ter por este período, a demonstração de um aceno; seja embrulhado em papel, no formato de mensagem de telemóvel, de um telefonema de alvitre ou da simples presença daqueles (que como nós), se engolem na correria da vida, e vêem perdida a candura, subitamente reencontrada no festejo, é algo de nobre que a tradição nos traz.

É de uma combinação entre um género de naturalismo e místico,  de um aproximar dos corpos no espaço, que se desfruta deste procedimento natalício, bem mais regulamentar do que as linhas traçadas por Federico Barocci - pintor maneirista italiano do séc XVI e XVII, discípulo da escola de Tintoretto e Ticiano - no seu fresco “O Nascimento”, para o último duque de Urbino – Francesco Maria II della Rovere.

O fresco de cima compõem a cena original do estábulo, pela mão de Barocci, do menino Jesus nas palhas deitado, perante a contemplação da Virgem Maria e a incitação de José, perante o nascimento do messias. Apesar de seguidor da rígida escola veneziana, Barocci diferenciou-se pelo seu estilo peculiar na utilização da cor e da luz, e do destacado realismo que imprimiu às suas personagens. Foi por estes motivos considerado único, num tal de naturalismo místico, aproveitando a atmosfera poética que uma cena sagrada proporciona.

Efémera, desvirtuada, insuficiente, insignificante, dogmática, tudo se pode dizer sobre a atmosfera que rodeia o Natal. Mas da satisfação (por muito momentânea que seja), da reunião, da partilha, da alegria da criança, da recordação e do convívio genuíno, entre um naco de bacalhau e uma rabanada, continuará a rezar a história do Natal português, pela mão dos maneiristas do nosso tempo.

A tradição ainda é o que era, e oxalá continue a sê-lo.

sábado, novembro 28, 2009

Para memória futura!

Boys on the Beach (1910) Young Boys on the Beach – Joaquín Sorolla (1910)

O espanhol Joaquín Sorolla é conhecido por ter captado cenas de praia; explora a luz e os contrastes das suas cores, como poucos. O efeito pictórico dos seus quadros traz-nos à recordação lembranças comuns a todos nós, guardadas nos espaços mais remotos da nossa memória, dos tempos de inocência.

A minha memória ainda é o que era, e é hoje mais do que antes foi. E sublinho hoje porque o amanhã desconheço.

Percebo agora que o título deste texto não faz sentido - mas como é bonito vou deixar ficar na mesma -, não existe isso da memória futura, porque não podemos ter memória do que ainda não aconteceu e, pensando bem, tudo o que fazemos poderá ser passível de memória futura. Uma recente série americana (altamente aconselhável) explora este conceito que na realidade não passa de um vazio retórico.

O tempo acaba por apagar muitas das recordações, persistindo aquelas que resistem à força da passagem do tempo e a esse complexo mecanismo psicológico de arquivo a que recorremos sempre que necessitamos - a chamada memória presente, a única que realmente existe.

Da mesma forma que de um único lugar temos apenas uma perspectiva, e só vemos a partir desse sítio, até onde a nossa vista alcança, o presente é o lugar de onde se observa e de onde se imagina o futuro e se lê o passado, em função das emoções do momento, que nos faz ter a multiplicidade de sentimentos vividos no presente.

A nossa capacidade de regeneração e crescimento é admirável. Sou diferente de ontem mas igual a amanhã, no fundo, sou o que sou hoje sem prejuízo para a minha memória, e enquanto isso acontecer, descanso na lembrança.

quinta-feira, novembro 12, 2009

O Cão Meio Submerso

half-submerged dogPerro semihundido  (1821 – 1823) de Goya. 

A vida é um grande enigma, uma roleta russa de acasos, um sortido de escolhas, sortes e azares. Os caminhos que se trilham nem sempre são perceptíveis, e as rasteiras pelo caminho tem a virtude de nos expor às nossas indubitáveis fragilidades.

Um cão afundado num terreno, com a cabeça de fora, atrás de um declive, a olhar para cima e com um olhar quase humano, expõe o paralelo entre a fragilidade e o enigma.

É impossível de determinar o genuíno propósito de Goya com esta pintura, possivelmente inacabada e retirada da sua “Quinta del Sordo” no conjunto de quadro negros, já aqui abordados.

O vasto espaço vazio que ocupa grande parte da pintura, acima de uma pequena cabeça isolada de um cão, e a fitar algo que parece estar fora da pintura, potenciada pela escassez de adornos, ajuda a  transmitir uma sensação de desassossego e ansiedade, que se tornou uma das maiores fontes de inspiração para muitos artistas contemporâneos, em vários domínios da arte.

O seu minimalismo e a sua completa falta de organização formal constituiu um precedente na pintura abstracta, mas também um precedente no olhar compadecido pelo sentir da vida.

quinta-feira, outubro 29, 2009

Saturno devora um dos seus filhos.

Saturn devouring one of his sonsSaturn devouring one of his sons (1821-1823) de Goya

O dia 1 de Novembro é, como que democraticamente, o dia de todos os santos. Na noite anterior celebra-se um género de festa da cultura kitsch, implementada não se sabe bem porquê e para quê - o Halloween. Quem me conhece sabe que nunca gostei de fantasias. Não gosto de me cruzar com indivíduos vestidos de palhaços no Carnaval, e pela mesma ordem de razão, não gosto do Halloween pelas bruxas e pelos macacos fantasmagóricos que por vezes se passeiam com elas, nessa noite.

Os apreciadores dizem que é giro pintar a cara, usar chapéus, vassouras, roupa preta, máscaras que metam medo ao susto e afugentem assim os espíritos que no dia seguinte se irão velar. Trick or treating e temos mais uma oportunidade de nos embebedarmos e esquecermo-nos momentaneamente dos nossos medos, aqueles do nosso mundo, o real.

A sensatez, apesar de não nos acompanhar a maioria das vezes, anda de braço dado com aquela nossa necessidade de sobrevivência. E é com ela que temos medo. O medo do desconhecido, do maior desconhecido de todos - a morte.

É este tipo de tormento que me assusta. Um tormento que leva alguém, como Goya, a reinventar-se num rebate sem ordem e sentido. Na depressão do seu caos o espanhol adornou as paredes de sua casa com as pinturas que mais tarde viriam a constituir os seus últimos trabalhos, os chamados quadros negros (representações de ódio, terror e mal).

O mais impressionante e elucidativo, deste conjunto, é a reprodução da cena mitológica em que um decrépito Saturno, deus romano do tempo, devora um dos seus filhos recém-nascido, por medo que este tome o seu lugar. Esta lúgubre e horrífica cena, centrada no monstro esgazeado do deus Saturno, corresponde às preocupações particulares de um Goya isolado, já no final da sua vida, e angustiado pela perda do poder e da dissolução da força do indivíduo, à medida que se aproxima do fim da sua vida.

Eis o verdadeiro Halloween! O sumir das forças, o definhar da vida, com a passagem dos anos - a velhice e o ocaso, que faz com que tudo o resto não tenha importância nenhuma, e para o qual, não há trick-or-treating que nos redima.

sábado, setembro 19, 2009

A Pedra da Tolice

Extracting the Stone of Madness (1490) 

Reza um famoso provérbio flamengo, do séc. XIV, que o estúpido e ignorante, pensando-se enfermo de uma loucura, sujeitava-se a uma intricada cirurgia, levada a cabo, por este sim, um declarado louco, com o fim de remover uma fantasiosa pedra da loucura, algures escondida na cabeça do pobre infeliz.

O senhor Hieronymus Bosch pintou esta sátira à ignorância, por volta de 1490. Ao apelo de Lubbert Das, inscrito em volta do círculo que nos mostra a cena, declarou-se o cirurgião à esquerda, de funil na cabeça, aludindo à sua própria loucura, mas também avareza – com a bolsa de dinheiro virada para o observador. O frade que distraí o paciente com a sua conversa, compõem o papel da igreja na criação de falsas crenças e a ciência que assiste a tudo sem ser tida em conta, acabou figurada de mulher, com um livro na cabeça. 

Este tipo de ridículos parece-nos distantes à época, tanto mais que já ouve um português a ganhar um Nobel partindo de pressupostos idênticos. Mas de génios e loucos temos todos um pouco. A tolice mora na cabeça de todos e camufla-se muitas vezes atrás de complexos exercícios de racionabilidade, difíceis de remover, dada a sua “utilidade”.

O voto útil é para mim um desses exemplos. O voto, a substância essencial da democracia, deveria encerrar um compromisso, que por muito frágil que é, representa, a liberdade na escolha de ideais. O voto útil é esquecer tudo em que se acredita e escolher entre o menos mau, é a prostituição perante os jogos de poder que servem a alguns, é um mal menor que encoberto na cativante utilidade vai conduzindo a nossa democracia nesta mediocridade, com que nos vamos contentando e lamentando. Eu, para mais tarde não me lamentar, não vou ser tolo outra vez.

sábado, setembro 12, 2009

Os fuzilamentos de três de Maio, por Goya.

The 3rd of May 1808 in Madrid the executions on Principe Pio hill (1814)s

Durante as invasões Napoleónicas, na Península Ibérica, uma série de revoltas populares levaram ao fuzilamento de centenas de pessoas. Goya, em 1814, representou uma dessas macabras cenas, popularizando o dia seguinte ao 2 de Maio de 1808 (representado também noutro famoso quadro de Goya), quando, em Madrid, um grupo de insurgentes atacou uma escolta de soldados mamelucos – soldados egípcios da guarda imperial de Napoleão I.

O terrível detalhe da morte, num local inóspito e desolado, o pormenor das faces dos condenados, mostrando medo, resignação e desespero, em contraste, com o anonimato dos carrascos, representados de costas para o espectador, mostra a força da violência da imagem deixada por Goya, uma imagem repetida um pouco por toda a Península Ibérica, durante as as invasões napoleónicas, inclusivamente, na vila de Arrifana, no dia 17 de Abril de 1809. 

O poeta, crítico e ensaísta Jorge de Sena escreveu um poema, de título: Carta a meus filhos, a propósito deste quadro de Goya, que continuará a merecer toda a actualidade, pelo menos, enquanto o homem se conhecer tal como é.

CARTA A MEUS FILHOS
Sobre os fuzilamentos de Goya

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
multas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

Jorge de Sena

Esta é também uma forma de celebrar o regresso, a Portugal, do corpo de um alguém que nele habitou, e que prevaleceu para além do litigar.

terça-feira, setembro 08, 2009

A verdade de Velázquez

Aesop, ca.1638

A verdade de uns nunca é a verdade para outros. Diz-se que só existe uma verdade, a tal verdade, “universal e absoluta”, ou lá o que isso é. A dúvida, nunca deixa lugar à verdade.

A altura que estamos a passar – de intensa rebaldaria política, pelo aproximar de eleições – é rica em verdades, meias-verdades e falsetes rocambolescos que entretêm o burgo e os burgueses a soldo.

O último delírio nacional parece ter sido o final do Jornal Nacional – o caso do momento, no país. Alguns tem a certeza que foi o PS e o seu secretário geral, José Sócrates, alvo principal dos shows de sexta-feira, a pressionar alguém que mandou a jornalista transformista às couves. Outros dizem que foi o PSD, da Manuelinha, o responsável, para prejudicar o dito engenheiro – bonita teoria também.

Há uma outra, bem mais plausível e na qual consigo acredito mais. Incúria, péssimo timing, défice de visão estratégica, por parte dos senhores que mandam lá naquilo. Apesar de tudo, ninguém os pode censurar por querer correr com aquela figura dos seus corredores.

No entanto, a primeira hipótese é a verdade aceite por um maior número de pessoas, apesar de estúpida e absurda – só Sócrates teve a perder com acaso, imaginar que o próprio, a tão poucas semanas das eleições, é o fiador desta história, é, repito, estúpido e absurdo. E como eu ainda acredito na espécie humana, ninguém é, sozinho, tão estúpido e absurdo, quando comparado com uma multidão que se abstém de ajuizar perante o aparentemente óbvio, referido vezes sem conta, até se tornar a mais insofismável das verdades.

Velázquez, dizia-se, era o pintor da verdade, o mais primoroso dos auto-retratistas conseguindo imprimir nos seus quadros, disposições dos seus modelos, como nenhuma avançada máquina fotográfica do nosso tempo, algum vez seria capaz. Na figura em cima, representado por Velázquez, está Esopo, escravo grego, do século VI a.C, a quem se atribuem as primeiras fábulas inventadas pelo homem.

Em Portugal, no século XXI, o país da fábula política, Esopo teria feito carreira, e as verdades de Velázquez, nunca chegariam a sê-lo.

terça-feira, setembro 01, 2009

O Martírio de S. Filipe (1639)

The Martyrdom of Saint Philip

O martírio de S. Filipe é um fresco impressionante. Nenhuma reprodução, por muito boa qualidade que tenha, consegue fazer jus à grandiosidade desta prodigiosa obra de José de Ribera.

A enorme tela representa uma alegoria à crueldade humana, a passagem bíblica em que o apóstolo São Filipe é crucificado em Hierápolis. Mostra, em vez do martírio do homem crucificado, a preparação para a crucificação, numa representação isenta de sangue e violência em que o foco é o enorme corpo do mártir, a sua expressão resignada, o esforço dos carrascos a erguê-lo, a face de estupefacção do homem que lhe agarra as pernas, o olhar despreocupado dos espectadores e o inquietante fitar da mulher, com o bebé ao colo no canto inferior esquerdo da tela, ao observador.

Está no Prado e é imperdível de tão arrebatador que consegue ser. Fundamental para quem gosta de admirar o génio humano.

quinta-feira, julho 30, 2009

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"Se não há Deus e a alma é mortal, então, tudo é permitido"

Ivan Karamazov, por Dostoievski

terça-feira, junho 23, 2009

O simbólico.

The last supperL'Ultima Cena de Leonardo da Vinci (finais do séc.XV)

Durante dezoito anos, no século XVI, uma série de cardeais e outras hierarquias da Igreja reuniram-se em Trento, no concílio que havia de ficar com o seu nome, para discutir uma reestruturação da Igreja, de forma a responder à recente Reforma Protestante.

Pasmem-se que, dos muitos dos temas ali discutidos exaustivamente, um levou a um acesso debate prolongado por longos meses. Se era ponto assente que Cristo comia e bebia, assim estava “confirmado” nos evangelhos e no magnífico quadro de Leonardo da VInci, uma dúvida subsistia na cúria: será que Cristo defecava?

Sobre este assunto estiveram debruçados as maiores e mais importante cabeças da igreja, até chegarem à luminosa conclusão que Cristo não defecava. Nenhuma santidade, principalmente o filho de Deus na Terra, poderia estar sujeito a uma necessidade tão mundana e terrena, oferecida aos mortais por Deus, sem se saber bem porquê.

Ainda hoje o dogma subsiste na Igreja Católica. O tema é tabu e, é sempre interessante ouvir o que um teólogo cristão tem a dizer sobre este assunto. Tem lugar o simbólico. Cristo acabou assim por ser mais do que o messias, foi o primeiro “homem” a comer e a não defecar, sem que isso lhe trouxesse problemas de saúde, ou será que defecava?

segunda-feira, maio 04, 2009

“Il banchieri”

Massys, Quentin - 1514 The Moneylender and his Wife (Louvre)The Moneylender and his Wife de Massys, Quentin  (1514)

Dinheiro e poder sempre andaram de mãos dadas, hoje como no século XIV, dinheiro é poder, e poder é influência. Nos momentos de crise, como este, facilmente se identificam os culpados. São sem dúvida aqueles que enriqueceram, proporcionando conforto, sonhos e riquezas àqueles que tudo querem ter, sem para isso o poderem. Mas serão eles os únicos culpados? Claro que não. Serão os principais? Eu acho que não.

Se o neoliberalismo era visto como uma virtude acima de todas as discussões pelos governos mundiais, hoje, esses mesmos governos, admitem o erro de deixar um mercado especulativo entregue ao seu próprio destino. Mas que receios podiam ter, se foi esse mesmo sistema capitalista que criou os paradigmas civilizacionais, em que nos habituamos a viver? Todos. Soubessem os senhores governantes mais de história, tivessem menos interesses e fossem menos servis a quem tem mais dinheiro na mão, numa determinada altura, e, saberiam que quem por norma faz do dinheiro um negócio, está mais próximo genealogicamente dos mercenários da Idade Média, do que dos missionários da boa vontade. Para virtuosismos celestiais, já grupos de indivíduos válidos fecham-se em ascese, Deus criou “O África” e Dom Nuno Álvares Pereira salva velhinhas de óleos de fritar peixe. 

Convém não esquecer que o objectivo dos bancos é  ganhar dinheiro com o dinheiro dos outros, o que é perfeitamente aceitável, quando proporcionam oportunidades equilibradas aos seus clientes, que de outra forma não podiam criar o seu próprio valor. O problema é quando o negócio passa pela especulação financeira, se esquecem os mínimos valores morais, se faz do logro um instrumento, e alimenta-se a ganância à custa do desprezo social. O exemplo de John Law parece distante aos decisores políticos, quando permitem que alguns continuem a fazer do mundo o seu casino pessoal. Mas, nem sempre foi assim; antes de existir os bancos como os conhecemos hoje, antes de existir o mercado financeiro que a maioria de nós, inclusive eu, de pouco percebe - existiam os judeus.

Portrait of Two Figures from the Old Testament (The Jewish Bride), 1667 The Jewish Bride (1667) de Rembrandt Harmensz

Essa raça de homens, odiada por tantos, perseguida por muitos, rufias comensais da Palestina, sempre tiveram a fama da habilidade para o dinheiro e os negócios. Essa fama, não é de todo injusta. Foram os primeiros a experimentar a usura - o pecado esquecido -, nas suas bancas em Veneza. Foram os primeiros, mas não foram os únicos, nenhum deles, no entanto, como a família Medici.

Nenhuma outra família deixou tantas marcas numa época, como a família Medici durante a Renascença. Bastaria dizer, que dela saíram quatro papas (Leão X, Clemente VII, Pio IV e Leão XI), duas rainhas de França (Catarina e Maria), quatro duques (de Florença, Nemours, Urbino e da Toscânia). Deixaram um legado na arte e na ciência ímpar, senhores de Florença, são os responsáveis pelo esplendoroso legado arquitectónico da cidade (Villa Cafaggiolo, Convento di San Marco, Basílica de San Lorenzo, Palácio Vecchio, Galeria Uffizi, etc…), patronos de Michelangelo, Botticelli e Galileu.

Toda esta abundância e poder não apareceram do nada. Giovanni de Medici fundou  o primeiro grande banco - até aí os banqueiros não eram mais do que gangster, fazendo-se valer da violência para garantir os capitais do empréstimo. O facto destas estruturas serem monolíticas, tornava o negócio muito susceptível à ruína, sendo facilmente derrubados por um devedor. O sucesso dos Medici, a longo prazo, foi as suas múltiplas parcerias e filiais, remunerando os parceiros com a partilha dos proveitos, agindo como entidades independentes, sob alçada do banco central dos Medici. Mas a principal particularidade do sucesso dos Medici foi a criação de facturas de transacções (Cambium per Litteras), um sistema de registo metódico e cuidado (libro secreto), onde se registava de um lado os depósitos e reservas , e do outro os empréstimos e as facturas comerciais de cada cliente –  o primeiro grande registo de balanços conhecido. A diversificação dos seus empréstimos, diluiu os riscos, garantindo-lhes o sucesso e a fortuna; o negócio do câmbio, a absolvição do seu pecaminoso negócio; a agilização permitida aos seus clientes nas transacções, Portrait of a Man Holding a Medal of Cosimo de Mediciúnica – se um negociante que devesse a outro uma determinada soma que não pudesse pagar em dinheiro até ao final da transacção, o credor passava uma factura ao devedor, que a podia usar como meio de pagamento ou, para obter dinheiro em forma de desconto no banco, agindo o banqueiro como intermediário do negócio. Esta diversidade de empréstimos, e a proximidade com os clientes, levou à redução dos custos para os clientes e a proliferação do negócio.  Em 1402, com um capital de 20,000 florins e mais de 70 parceiros na folha de pagamento, fez um proveito de 151,820 florins, entre 1397 e 1420 – 6,326 florins por ano, uma taxa de retorno de 32%. É difícil imaginar um negócio mais rentável.

O poder foi crescendo e, após a morte do patriarca Giovanni de Medici, o seu filho Cosimo de Medici, ficou ao leme dos negócios, com a tarefa de manter a argúcia financeira da família. Cosimo, era já o homem mais poderoso daquela região, o soberano em todos os sentidos, menos no nome, com uma reputação como nenhum outro cidadão teve, desde a queda do Império Romano, até aos nossos dias. A adulação dos banqueiros foi feita como nunca antes imaginada. O último quadro em cima, de Botticelli, mostra um jovem bem parecido com uma moeda na mão, a face na moeda é de Cosimo de Medici, com a inscrição “pater patriae”, pai deste país. Outro exemplo, é o fresco “The Adoration of the Magi”, do mesmo Botticelli, que capta a transfiguração na finança que os Medici levaram a cabo, elevados à divindade. Num olhar atento, identificam-se grande parte das personagens como alguns membros da família Medici – por exemplo, a lavar os pés do Jesus, Cosimo o velho e de roupão azul à esquerda, Lourenço o Magnífico.

The Adoration of the Magi Botticelli   The Adoration of the Magi (1478/1482) de Botticelli

Foi já sob a liderança de Lourenço o Magnífico, que as conspirações contra a família, super-rica e de crescente poder, tiveram o seu maior eco. Lourenço, neto de Cosimo, mais preocupado com a política e a diplomacia, negligenciou o negócio, possibilitando que as suas muitas filiais, menos supervisionadas, ganhassem mais poder e cometessem negócios ruinosos, como o empréstimo da sucursal de Londres ao Rei Eduardo IV, nunca totalmente pago.

Apesar disso, a queda dos Medici acabou por se dever unicamente a circunstâncias que rodearam o próprio negócio. Em 1494, no meio das disputas cada vez mais acesas entre as diferentes regiões italianas, e com a invasão francesa, a família, apelidada de pagã e imoral por Savonarola, foi expulsa e a sua propriedade confiscada e muita dela liquidada. Só mais tarde, a sua importância e mecenato foram reconhecidos, consagrando Cosmo I de Medici, como Duque de Florença e Grão-Duque da Toscânia, por aclamação.

A ascensão do negócio da família Medici constitui um exemplo da génese e do funcionamento das actividades bancárias. O seu projecto criou as estratégias de um negócio que deixava de ter como principal instrumento a matéria-prima, o ouro, a moeda, para criar o valor em papel, e, após a sua derrocada, o seu exemplo foi seguido por muitos bancos do norte da Europa, com tanto ou mais sucesso para as suas gentes, comércio, artes e ciências, acabou por ser, a última alavanca civilizacional para o desenvolvimento humano, porque nem toda a riqueza é necessariamente má, principalmente, quando é distribuída.

GalileuLuneta  Telescópio construído por Galileu, protegido da família Medici. 

*Factos como este podem ser encontrados na série documental, The Ascent of Money, de Niall Fergunson, um relato da história da ascensão do sistema financeiro e, como a história da finança se repete de forma previsível.

quinta-feira, abril 23, 2009

Gerichtsdiener in Acryl

Franz Kafka Der Prozess, Gerichtsdiener in Acryl

“Um burocrata é alguém que escreve um documento de dez mil palavras e lhe chama sumário.”

Franz Kafka

quinta-feira, abril 16, 2009

A Coroação de Josefina

Consecration of the Emperor Napoleon I (detail)

Pormenor do quadro de Jacques Louis David, no Louvre, registando um dos mais importantes momentos da história europeia, o primeiro acto de laicização de um estado: a coroação da imperatriz Josefina por Napoleão I, perante o Papa Pio VII, na Catedral de Notre-Dame (até ali, estava reservado ao clero o direito exclusivo de coroar um monarca). Virtudes da Revolução Francesa.

segunda-feira, abril 06, 2009

Blue(Moby Dick) de Pollock

pollock.moby-dick

terça-feira, março 31, 2009

O Aqueduto

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Há dias falou-se aqui em obras públicas, e pensei que uma boa forma de introduzir “alguma coisa de jeito”, na nossa falta de jeito para tratar de assuntos, ou inclusivamente de introduzir algo de interessante, mesmo sabendo que para alguns na sua pura indolência o interessante é simplesmente coisa nenhuma vindo daqui, seria olhar para O Aquedudo das Águas Livres.

Foi precisamente a primeira grande obra pública, a primeira que não teve por trás interesses de carácter religioso, ou fins militares. Tanto foi assim, que acabou por ser financiada exclusivamente pelo povo, através de um imposto especial, apesar de nos cofres do reino não faltar ouro ao Magnânimo soberano, D.João V, bem mais partidário em enterrar a riqueza do reino em faustos – é disso exemplo O Real Convento de Mafra, dono de uma riqueza arquitectonicamente tão invejável como inútil -, do que em melhorar as condições de vida do seus súbditos.

Estava inaugurada assim, no século XVIII, a história das grandes obras públicas portuguesas, e com elas as 3 regras dos seus vícios, apenas tidos como normais neste canto da Europa: a obra demora sempre mais do que o previsto inicialmente; o orçamento é sempre ultrapassado; o habitual é que haja confusão entre empreiteiros, subsidiários e outros ários lá metidos, levando à inevitabilidade das duas primeiras regras.

No final das contas, nem tudo é mau, e no caso desta primeira obra o resultado foi fabuloso: uma obra de engenharia ímpar com 14km de extensão, 58km contando com as condutas secundárias, o maior arco de pedra do vão do mundo e uma maravilha da técnica que deu de beber ao povo e perdurou até 1968 cumprindo a sua função inicial, tão primordial que nos acaba esquecida quando olhada para o convento de Mafra.

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sábado, março 14, 2009

beach in corsega Hannelore S. AMON

Do melhor que temos; a luz do sol, o azul do mar, o amor dos outros.

segunda-feira, março 09, 2009

Bailarico_no_Bairro_1936 - Mário Eloy

Mário Eloy- Bailarico no Bairro (1936)

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Çingene Kızı / The Gypsy Girl Mosaic

"O progresso barrigudo não cabe nas estradas estreitas."


"Um olho no burro outro no cigano."