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segunda-feira, fevereiro 08, 2010

D.Afonso Henriques o romântico

Afonso HenriquesFonte: Biblioteca Nacional Digital

O nosso primeiro rei lançou a semente do romantismo português um pouco por todo o seu território de então - terror dos mouros, principal dor de cabeça do seu genro rei de Leão, Fernando II; Afonso Henriques ficou famoso, para além da sua tenacidade, ambição, inteligência lúcida e trapaceira, por uma imensa libido, conhecida pelos muitos relatos que nos chegaram até hoje. José Brandão, no seu livro a “A Vida Dramática dos Reis de Portugal”, relata um desses episódios, sendo que este, como muitos outros, não implicam a sua esposa e prima D. Mafalda de Sabóia.

Acerca de D. Afonso Henriques conta-se um episódio interessante, embora talvez lendário. Um dia o rei foi visitar o conde D. Gonçalo de Sousa à sua propriedade de Unhão. Honrado, o conde tratou de ir preparar a comida para receber o monarca, mas, enquanto se demorava, D. Afonso Henriques não perdeu tempo e tomou logo ali posse da condessa. Quando o conde voltava com a comida viu aquilo e não gostou. Todavia limitou-se a dizer: «Levantai-vos, senhor, porque a comida já está pronta.» O rei pôs-se a comer e enquanto o rei se banqueteava, recuperando energias, D. Gonçalo repudiava a adúltera para casa do pai, montada numa burra de albarda virada para o rabo do sendeiro e vestida com uma pele de cabra, com o cabelo tosquiado. Este acto encolerizou D. Afonso Henriques, que quis mesmo matar o fidalgo ultrajado na sua honra. Mas recua perante a passividade de D. Gonçalo quando el-rei lhe disse que lhe cortava a cabeça, ao que responder: «Senhor, mais vale, Homem sem honra morto é!»

Não será o melhor dos exemplos para o nosso tempo mas, como dizia Freud, todo o objecto de amor encontrado é um objecto de amor reencontrado.

Até ao novo reencontro…

The end.

segunda-feira, maio 04, 2009

“Il banchieri”

Massys, Quentin - 1514 The Moneylender and his Wife (Louvre)The Moneylender and his Wife de Massys, Quentin  (1514)

Dinheiro e poder sempre andaram de mãos dadas, hoje como no século XIV, dinheiro é poder, e poder é influência. Nos momentos de crise, como este, facilmente se identificam os culpados. São sem dúvida aqueles que enriqueceram, proporcionando conforto, sonhos e riquezas àqueles que tudo querem ter, sem para isso o poderem. Mas serão eles os únicos culpados? Claro que não. Serão os principais? Eu acho que não.

Se o neoliberalismo era visto como uma virtude acima de todas as discussões pelos governos mundiais, hoje, esses mesmos governos, admitem o erro de deixar um mercado especulativo entregue ao seu próprio destino. Mas que receios podiam ter, se foi esse mesmo sistema capitalista que criou os paradigmas civilizacionais, em que nos habituamos a viver? Todos. Soubessem os senhores governantes mais de história, tivessem menos interesses e fossem menos servis a quem tem mais dinheiro na mão, numa determinada altura, e, saberiam que quem por norma faz do dinheiro um negócio, está mais próximo genealogicamente dos mercenários da Idade Média, do que dos missionários da boa vontade. Para virtuosismos celestiais, já grupos de indivíduos válidos fecham-se em ascese, Deus criou “O África” e Dom Nuno Álvares Pereira salva velhinhas de óleos de fritar peixe. 

Convém não esquecer que o objectivo dos bancos é  ganhar dinheiro com o dinheiro dos outros, o que é perfeitamente aceitável, quando proporcionam oportunidades equilibradas aos seus clientes, que de outra forma não podiam criar o seu próprio valor. O problema é quando o negócio passa pela especulação financeira, se esquecem os mínimos valores morais, se faz do logro um instrumento, e alimenta-se a ganância à custa do desprezo social. O exemplo de John Law parece distante aos decisores políticos, quando permitem que alguns continuem a fazer do mundo o seu casino pessoal. Mas, nem sempre foi assim; antes de existir os bancos como os conhecemos hoje, antes de existir o mercado financeiro que a maioria de nós, inclusive eu, de pouco percebe - existiam os judeus.

Portrait of Two Figures from the Old Testament (The Jewish Bride), 1667 The Jewish Bride (1667) de Rembrandt Harmensz

Essa raça de homens, odiada por tantos, perseguida por muitos, rufias comensais da Palestina, sempre tiveram a fama da habilidade para o dinheiro e os negócios. Essa fama, não é de todo injusta. Foram os primeiros a experimentar a usura - o pecado esquecido -, nas suas bancas em Veneza. Foram os primeiros, mas não foram os únicos, nenhum deles, no entanto, como a família Medici.

Nenhuma outra família deixou tantas marcas numa época, como a família Medici durante a Renascença. Bastaria dizer, que dela saíram quatro papas (Leão X, Clemente VII, Pio IV e Leão XI), duas rainhas de França (Catarina e Maria), quatro duques (de Florença, Nemours, Urbino e da Toscânia). Deixaram um legado na arte e na ciência ímpar, senhores de Florença, são os responsáveis pelo esplendoroso legado arquitectónico da cidade (Villa Cafaggiolo, Convento di San Marco, Basílica de San Lorenzo, Palácio Vecchio, Galeria Uffizi, etc…), patronos de Michelangelo, Botticelli e Galileu.

Toda esta abundância e poder não apareceram do nada. Giovanni de Medici fundou  o primeiro grande banco - até aí os banqueiros não eram mais do que gangster, fazendo-se valer da violência para garantir os capitais do empréstimo. O facto destas estruturas serem monolíticas, tornava o negócio muito susceptível à ruína, sendo facilmente derrubados por um devedor. O sucesso dos Medici, a longo prazo, foi as suas múltiplas parcerias e filiais, remunerando os parceiros com a partilha dos proveitos, agindo como entidades independentes, sob alçada do banco central dos Medici. Mas a principal particularidade do sucesso dos Medici foi a criação de facturas de transacções (Cambium per Litteras), um sistema de registo metódico e cuidado (libro secreto), onde se registava de um lado os depósitos e reservas , e do outro os empréstimos e as facturas comerciais de cada cliente –  o primeiro grande registo de balanços conhecido. A diversificação dos seus empréstimos, diluiu os riscos, garantindo-lhes o sucesso e a fortuna; o negócio do câmbio, a absolvição do seu pecaminoso negócio; a agilização permitida aos seus clientes nas transacções, Portrait of a Man Holding a Medal of Cosimo de Mediciúnica – se um negociante que devesse a outro uma determinada soma que não pudesse pagar em dinheiro até ao final da transacção, o credor passava uma factura ao devedor, que a podia usar como meio de pagamento ou, para obter dinheiro em forma de desconto no banco, agindo o banqueiro como intermediário do negócio. Esta diversidade de empréstimos, e a proximidade com os clientes, levou à redução dos custos para os clientes e a proliferação do negócio.  Em 1402, com um capital de 20,000 florins e mais de 70 parceiros na folha de pagamento, fez um proveito de 151,820 florins, entre 1397 e 1420 – 6,326 florins por ano, uma taxa de retorno de 32%. É difícil imaginar um negócio mais rentável.

O poder foi crescendo e, após a morte do patriarca Giovanni de Medici, o seu filho Cosimo de Medici, ficou ao leme dos negócios, com a tarefa de manter a argúcia financeira da família. Cosimo, era já o homem mais poderoso daquela região, o soberano em todos os sentidos, menos no nome, com uma reputação como nenhum outro cidadão teve, desde a queda do Império Romano, até aos nossos dias. A adulação dos banqueiros foi feita como nunca antes imaginada. O último quadro em cima, de Botticelli, mostra um jovem bem parecido com uma moeda na mão, a face na moeda é de Cosimo de Medici, com a inscrição “pater patriae”, pai deste país. Outro exemplo, é o fresco “The Adoration of the Magi”, do mesmo Botticelli, que capta a transfiguração na finança que os Medici levaram a cabo, elevados à divindade. Num olhar atento, identificam-se grande parte das personagens como alguns membros da família Medici – por exemplo, a lavar os pés do Jesus, Cosimo o velho e de roupão azul à esquerda, Lourenço o Magnífico.

The Adoration of the Magi Botticelli   The Adoration of the Magi (1478/1482) de Botticelli

Foi já sob a liderança de Lourenço o Magnífico, que as conspirações contra a família, super-rica e de crescente poder, tiveram o seu maior eco. Lourenço, neto de Cosimo, mais preocupado com a política e a diplomacia, negligenciou o negócio, possibilitando que as suas muitas filiais, menos supervisionadas, ganhassem mais poder e cometessem negócios ruinosos, como o empréstimo da sucursal de Londres ao Rei Eduardo IV, nunca totalmente pago.

Apesar disso, a queda dos Medici acabou por se dever unicamente a circunstâncias que rodearam o próprio negócio. Em 1494, no meio das disputas cada vez mais acesas entre as diferentes regiões italianas, e com a invasão francesa, a família, apelidada de pagã e imoral por Savonarola, foi expulsa e a sua propriedade confiscada e muita dela liquidada. Só mais tarde, a sua importância e mecenato foram reconhecidos, consagrando Cosmo I de Medici, como Duque de Florença e Grão-Duque da Toscânia, por aclamação.

A ascensão do negócio da família Medici constitui um exemplo da génese e do funcionamento das actividades bancárias. O seu projecto criou as estratégias de um negócio que deixava de ter como principal instrumento a matéria-prima, o ouro, a moeda, para criar o valor em papel, e, após a sua derrocada, o seu exemplo foi seguido por muitos bancos do norte da Europa, com tanto ou mais sucesso para as suas gentes, comércio, artes e ciências, acabou por ser, a última alavanca civilizacional para o desenvolvimento humano, porque nem toda a riqueza é necessariamente má, principalmente, quando é distribuída.

GalileuLuneta  Telescópio construído por Galileu, protegido da família Medici. 

*Factos como este podem ser encontrados na série documental, The Ascent of Money, de Niall Fergunson, um relato da história da ascensão do sistema financeiro e, como a história da finança se repete de forma previsível.

sexta-feira, abril 24, 2009

Diz que houve uma revolução.tanque25

Está preste a começar, já começou, ou realizou-se, conforme o dia em que o visitante estiver a ler estas linhas, os rituais anuais do estado português de comemoração da Revolução de 25 de Abril, repetindo-se por todas as vozes a palavra liberdade nascida naquela dia. Eu, como a maioria daqueles que não eram nascidos àquela data ou, por serem jovens de mais em idade no momento, temos a “vantagem/desvantagem” de olhar para a data de forma menos apaixonada dos que tem mais de 45 anos e se orgulham de colocar um cravo na lapela.

Convém recordar, apesar do preconceito que isso representa para a maioria da sociedade portuguesa, que a revolução levada a cabo pelos militares teve como origem o desgaste de uma guerra colonial absurda e consequente desterro da juventude portuguesa nas províncias ultra-marinhas. A insatisfação de algumas chefias militares motivaram a revolução de Abril, aproveitada, e bem, pelos opositores ao regime e intelectuais, alguns no exílio, para inserirem a palavra liberdade na boca das pessoas, uma inconstante lógica no acto, facilmente difundida por entre todos, letrados e iletrados. Tanto é assim que só depois de 25 de Novembro de 1975, ficamos “livres” de cair novamente numa ditadura, dessa vez comunista. Graças a homens moderados e heróis como Vasco Lourenço, podemos falar hoje de liberdade, sem que isso nos tenha custado uma guerra civil com desfecho imprevisível.

Conseguidos os propósitos de quem pensou ser possível uma democracia em Portugal, vivemos até hoje com o estigma daqueles que se dizem os libertadores e responsáveis do 25 de Abril, que com a complacência do poder político, santificaram-se, vivendo à sombra de um estatuto conseguido em 1974. Otelo Saraiva de Carvalho é um desses casos. Líder operacional da organização terrorista FP-25 de Abril, julgado, provado e depois ilibado em tribunal por prescrição e amnistia, da morte vil de 17 pessoas, em pleno estado de direito, após a revolução e com a boca cheia da palavra liberdade, foi promovido este ano, para ajudar à festa das comemorações, a coronel pelo ministério da defesa e das finanças. Esta vergonhosa notícia é bem reveladora da visão sectária, facciosa e do tabu social imposto pelo poder político, que ludibria a opinião pública portuguesa a seu belo prazer.

portugal democracia de sucesso Este poder político, é o mesmo poder político que resultou do falhanço que foi partidarização em Portugal. Hoje a política é uma profissão de onde se servem milhares de portugueses que chegam com pouco e saem com muito, a prova essencial que a palavra liberdade e democracia não é tudo.

Argumentemos que trinta e cinco anos de democracia é muito pouco tempo. É-o de facto. É pouco tempo para nos resignarmos tão facilmente com as soluções que nos fazem parecer como inevitáveis, e mesmo que não fosse, nunca seria motivo para nos resignarmos à falta de valores e às desigualdades a que hoje assistimos. Nada está perdido, porque hoje temos na boca mais do que a palavra liberdade que se berrou no 25 de Abril. Justiça e igualdade foram conquistas que surgiram depois, muito para lá do que muitos supunham em 74, por isso, bem mais importante do que festejar o 25 de Abril e as suas conquistas, principalmente para quem a ele não assistiu, é lembrar o que ainda há para conquistar, mas isso, a minoria dos partidários dos partidos recusam tomar parte, bajulando o passado, esquecendo o futuro e festejando o 25 de Abril.

quinta-feira, abril 16, 2009

A Coroação de Josefina

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Pormenor do quadro de Jacques Louis David, no Louvre, registando um dos mais importantes momentos da história europeia, o primeiro acto de laicização de um estado: a coroação da imperatriz Josefina por Napoleão I, perante o Papa Pio VII, na Catedral de Notre-Dame (até ali, estava reservado ao clero o direito exclusivo de coroar um monarca). Virtudes da Revolução Francesa.

terça-feira, março 31, 2009

O Aqueduto

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Há dias falou-se aqui em obras públicas, e pensei que uma boa forma de introduzir “alguma coisa de jeito”, na nossa falta de jeito para tratar de assuntos, ou inclusivamente de introduzir algo de interessante, mesmo sabendo que para alguns na sua pura indolência o interessante é simplesmente coisa nenhuma vindo daqui, seria olhar para O Aquedudo das Águas Livres.

Foi precisamente a primeira grande obra pública, a primeira que não teve por trás interesses de carácter religioso, ou fins militares. Tanto foi assim, que acabou por ser financiada exclusivamente pelo povo, através de um imposto especial, apesar de nos cofres do reino não faltar ouro ao Magnânimo soberano, D.João V, bem mais partidário em enterrar a riqueza do reino em faustos – é disso exemplo O Real Convento de Mafra, dono de uma riqueza arquitectonicamente tão invejável como inútil -, do que em melhorar as condições de vida do seus súbditos.

Estava inaugurada assim, no século XVIII, a história das grandes obras públicas portuguesas, e com elas as 3 regras dos seus vícios, apenas tidos como normais neste canto da Europa: a obra demora sempre mais do que o previsto inicialmente; o orçamento é sempre ultrapassado; o habitual é que haja confusão entre empreiteiros, subsidiários e outros ários lá metidos, levando à inevitabilidade das duas primeiras regras.

No final das contas, nem tudo é mau, e no caso desta primeira obra o resultado foi fabuloso: uma obra de engenharia ímpar com 14km de extensão, 58km contando com as condutas secundárias, o maior arco de pedra do vão do mundo e uma maravilha da técnica que deu de beber ao povo e perdurou até 1968 cumprindo a sua função inicial, tão primordial que nos acaba esquecida quando olhada para o convento de Mafra.

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