Está preste a começar, já começou, ou realizou-se, conforme o dia em que o visitante estiver a ler estas linhas, os rituais anuais do estado português de comemoração da Revolução de 25 de Abril, repetindo-se por todas as vozes a palavra liberdade nascida naquela dia. Eu, como a maioria daqueles que não eram nascidos àquela data ou, por serem jovens de mais em idade no momento, temos a “vantagem/desvantagem” de olhar para a data de forma menos apaixonada dos que tem mais de 45 anos e se orgulham de colocar um cravo na lapela.
Convém recordar, apesar do preconceito que isso representa para a maioria da sociedade portuguesa, que a revolução levada a cabo pelos militares teve como origem o desgaste de uma guerra colonial absurda e consequente desterro da juventude portuguesa nas províncias ultra-marinhas. A insatisfação de algumas chefias militares motivaram a revolução de Abril, aproveitada, e bem, pelos opositores ao regime e intelectuais, alguns no exílio, para inserirem a palavra liberdade na boca das pessoas, uma inconstante lógica no acto, facilmente difundida por entre todos, letrados e iletrados. Tanto é assim que só depois de 25 de Novembro de 1975, ficamos “livres” de cair novamente numa ditadura, dessa vez comunista. Graças a homens moderados e heróis como Vasco Lourenço, podemos falar hoje de liberdade, sem que isso nos tenha custado uma guerra civil com desfecho imprevisível.
Conseguidos os propósitos de quem pensou ser possível uma democracia em Portugal, vivemos até hoje com o estigma daqueles que se dizem os libertadores e responsáveis do 25 de Abril, que com a complacência do poder político, santificaram-se, vivendo à sombra de um estatuto conseguido em 1974. Otelo Saraiva de Carvalho é um desses casos. Líder operacional da organização terrorista FP-25 de Abril, julgado, provado e depois ilibado em tribunal por prescrição e amnistia, da morte vil de 17 pessoas, em pleno estado de direito, após a revolução e com a boca cheia da palavra liberdade, foi promovido este ano, para ajudar à festa das comemorações, a coronel pelo ministério da defesa e das finanças. Esta vergonhosa notícia é bem reveladora da visão sectária, facciosa e do tabu social imposto pelo poder político, que ludibria a opinião pública portuguesa a seu belo prazer.
Este poder político, é o mesmo poder político que resultou do falhanço que foi partidarização em Portugal. Hoje a política é uma profissão de onde se servem milhares de portugueses que chegam com pouco e saem com muito, a prova essencial que a palavra liberdade e democracia não é tudo.
Argumentemos que trinta e cinco anos de democracia é muito pouco tempo. É-o de facto. É pouco tempo para nos resignarmos tão facilmente com as soluções que nos fazem parecer como inevitáveis, e mesmo que não fosse, nunca seria motivo para nos resignarmos à falta de valores e às desigualdades a que hoje assistimos. Nada está perdido, porque hoje temos na boca mais do que a palavra liberdade que se berrou no 25 de Abril. Justiça e igualdade foram conquistas que surgiram depois, muito para lá do que muitos supunham em 74, por isso, bem mais importante do que festejar o 25 de Abril e as suas conquistas, principalmente para quem a ele não assistiu, é lembrar o que ainda há para conquistar, mas isso, a minoria dos partidários dos partidos recusam tomar parte, bajulando o passado, esquecendo o futuro e festejando o 25 de Abril.
4 comentários:
Parabens pela Cronica..
Gostei
Palavras muito sábias Shihan!
nexa altura o Cabacu era muito jeitoso, todos o criam para home
Sublinho inteiramente as tuas palavras.
35 Anos ainda é muito pouco para que se entenda a liberdade, para saber o que é afinal viver em liberdade.
Será que vivemos numa sociedade livre?
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