sexta-feira, junho 12, 2009

Notáveis 7ª arte Blow-Up de Michaelangelo Antonioni (1966)

blowup

Um fotógrafo famoso, na efervescente e frívola Londres dos anos 60, capta com a sua máquina fotográfica o que aparenta ser um possível homicídio, num parque público. Fica assim, em pouco mais de duas linhas, resumida a história contada por Michelangelo Antonioni, durante duas horas - prolongadas por longas cenas, diálogos reduzidos, tempos mortos e uma acção lenta em que a contemplação visual é preenchida a espaços com os sons rock da fútil Londres, em contraste com a acalmia da natureza, encontrada nas cenas de um parque no meio da cidade.

A primeira metade do filme pode tornasse exasperante, para quem tem pouca paciência para se deixar à mercê de um filme. Extremamente figurativo, encontramos apenas uma verdadeira personagem, como assim a entendemos, Thomas, o fotografo famoso de Londres, perseguido por todas as jovens londrinas desejosas de ser fotografadas por ele, na eterna busca pela beleza eterna. Todas as restantes personagens funcionam como manequins, de frases curtas e acções aparentemente inoportunas. 3008173580_1d51d2e92a_o Dois temas centrais sobressaem. O primeiro, e mais visível, é a futilidade dos anos 60, a juventude desinteressada, a gratificação imediata, o desprezo pelos valores mais profundos de todos os tempos, as drogas, a realidade humana num contexto de grupo, aglutinador de vontades e pensamentos. Neste contexto encaixa uma das cenas mais misteriosas do filme: Thomas visita uma loja de antiguidades, perto do palco do homicídio que mais tarde presencia. Na primeira visita é recebido por um velho que nada lhe quer vender, na segunda, depara-se com a verdadeira dona, uma jovem com o desejo de vender toda a sua loja, para que possa viajar e aproveitar a vida. Nesta última visita, Thomas acaba por comprar uma grande hélice de um barco, aparentemente inútil, mas que acaba por representar uma parte de um todo, de um todo que teve valor no passado, que foi útil antes, mas hoje não passa de uma inutilidade, um estorvo. O velho que ninguém quer, o novo que está urgente de uso. A guitarra partida disputada por Thomas, durante um concerto de rock, abandonada no segundo a seguir já na rua, o valor perdido aos olhos daqueles que encontram os seus cacos no passeio, em contraste com a fugaz luta que gerou momentos antes. As coisas mudam, as pessoas morrem, a cultura evoluí, a tecnologia evoluí, o lixo amontoa-se, a única coisa que sobra, imutável desde os princípios dos tempos é a natureza, mesmo a tocada pelo homem. O valor e o significado de uma árvore é hoje igual ao de 200 anos atrás.

O segundo tema está intimamente ligado com os nossos olhos, a nossa percepção do mundo, a representação que cada um de nós faz da realidade, oferecendo-lhe um significado muito próprio, e muitas vezes para nós, urgente. O problema da nossa interacção com o mundo ser feita a partir de sinais, sinais interpretados com a nossa necessidade de ordem e significado, necessidade que nos cega, confunde e força-nos a fazer assumpções, muitas vezes, com pouca informação, retirando daí um significado, nem sempre inteiramente verdadeiro.blowupArthurEvanscourtesyPhilippeGarner512

E quando esse acto de ver é feito mecanicamente? Quando a memória da arte mecânica, da fotografia, da imagem física que podemos tocar, tornasse mais real que a percepção bruta e crua dos nossos olhos? Será essa reveladora de uma verdade mais segura? Antonioni mostra-nos que sim e não, e sugere-nos as duas problemáticas em confronto: o acto de ver e, o acto de analisar o que se vê. Nenhuma das duas têm toda a informação, ou todas as respostas, a realidade estará sempre limitada pela percepção humana, independentemente da tecnologia que o homem pode construir para si. O homem cria aquilo que vê e vê aquilo que quer ver.

Este filme é um carrossel, inicialmente lento, entediante, despropositado; num certo momento, faz-nos pensar que estamos a ir numa determinada direcção, mas, por muito que este avance, parece que nunca chegamos lá; até chegarmos à última cena, em que toda a exigência pedia ao espectador, a paciência da contemplação, é sublimemente recompensada, como em nenhum outro filme, deixando o espectador, mesmo irreflectidamente, entregue a si próprio, numa abstracção pouco convencional, dona de uma força que nos obriga a revê-lo imediatamente e outra vez.

8 comentários:

Eucinéfilo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eucinéfilo disse...

Por mais tempo que passe desde a última visita, nada muda...

A masturbação intelectual mantém-se, no repetitivo joguinho tipo - eu sou mais anti-mainstream que tu!

Quanto ao filme em questão, tirando o primeiro nú frontal em filmes não eróticos, não passa de mais um fardo de palha para os autómatos da plateia que, antes de verem a película, já sabem que gostaram muito, passando os longos e "exasperantes" minutos de monotonia a tentar justificar o porquê daquilo ser uma obra de arte...

O Shihan disse...

Seja bem-vindo Eucinéfilo, já lá vão uns tempos! Muito nos agrada que finalmente tenha saído da sua cova, percebemos que um homem tem de se concentrar para ganhar o seu quinhão, neste mundo de cão. O regresso, no entanto, acabou por ser infeliz, errou em todas as suposições que tentou fazer, como é apanágio habitual de quem julga o que não conhece. Sinta-se em casa para continuar a comentar, isto sem si tem sido bem menos chistoso.

Anónimo disse...

Finalmente alguém com eles no sítio a dizer aquilo que muitos pensam mas nunca disseram. Eucinéfilo, ainda agora te conheci e és já o meu heroi

Eucinéfilo disse...

Meu caro O Shiahan, vejo que os nossos apanágios se mantêm então..o meu de tecer comentários que você se recusa a compreender, e o seu, por inerência, de se recusar a compreender os meus comentários...
Aquilo que fiz, não foram "suposições", foram opiniões. Primeiro porque, como deve imaginar (caso contrário não comentaria) já vi o filme. Segundo porque, li a sua crítica acerca do mesmo. Assim, aquilo que você classifica como "suposição" eu classifico como opinião, o que é manifestamente diferente, como creio que o seu profícuo leque semântico lhe permita compreender.

Acreditando na sinceridade das suas palavras quando saúda o meu "regresso", agradeço-lhe o mimo. Não deixo, no entanto, de lamentar a ausência de resposta ao qual um mail meu foi sujeito e onde convidava todos os participantes deste blog (e eventuais interessados) a participarem num (usando palavras suas) "chistoso" Blog por mim criado.

até breve...

Luís disse...

Este Eucinéfilo deve ser um tipo com uma grande necessidade de protagonismo, só pode. Agora até consegue confundir opiniões com suposições, como se as duas não pudessem existir juntas. Já foram mais interessantes os seus comentários.

Vou tentar ver o filme Shihan, se conseguir, tenho esse grave defeito de não ser um Eucinéfilo.

Eucinéfilo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eucinéfilo disse...

Meu caro Luís, compreendo que alguém com uma visão gramatical tão limitada (opinião), possa eventualmente sentir alguma dificuldade na interpretação de algumas das coisas que por aqui são escritas (suposição).

Não querendo alongar-me muito sobre o assunto, deixe-me só dizer-lhe que, enquanto uma "opinião" será um juízo pessoal que alguém tem sobre outro alguém, um objecto, uma coisa ou uma ideia (podendo essa opinião advir, ou não, de uma ou mais suposições, mas não devendo, no entanto) uma "suposição" não é mais que a formulação de uma hipótese, uma afirmação hipotética (que pode ou não ser verdade).
Dando como exemplo o seu comentário, a utilização do "deve" antes do "ser um tipo com grande necessidade de protagonismo" torna-o uma suposição. Se tivesse optado por não colocar o "deve", a afirmação tratar-se-ia, indubitavelmente, de uma opinião (mal ou bem fundamentada, não é essa a questão). O mesmo se passa o com o início deste mesmo comentário. A propositada colocação do advérbio de modo "eventualmente" transforma uma eventual opinião - a de você sentir alguma dificuldade na interpretação do que aqui é escrito - numa suposição.
Claro que as suposições podem e levam muitas vezes a opiniões, mas como espero que compreenda, não é isso que aqui está em discussão.
É também evidente que você pode ter a opinião que será mais prudente a alguém que não possui o total conhecimento dos factos supor em vez de opinar (já viu, até há verbos distintos e tudo), mas isso, como sempre, não é mais que a sua opinião...

p.s.- espero que os meus futuros comentários sejam mais do seu agrado, e especialmente, da sua total compreensão, mas como imagina a verdade não só nem sempre é do agrado como também não está ao alcance de todos...