Jerusalém de Gonçalo M. Tavares (2004)
Jerusalém, encruzilhar de civilizações e de culturas, palco de horrores e motivo de outros tantos; terra santa por força de definição, ali confluem crenças e esperanças, ali foi entregue e reconhecido pela comunidade internacional a capital de estado do povo historicamente mais perseguido e alvo dos maiores e mais frequentes horrores por parte de outros povos. Jerusalém de Gonçalo M. Tavares, é também o chão, o espaço da existência humana, da sua dor, dos seus horrores, do medo e da maldade, das loucura transversais a todos os homens, povos, raças, sociedades, em diferentes períodos de tempo e nos contextos mais diversos.
Gonçalo M. Tavares, jovem escritor português, é dos mais originais romancistas portugueses. Apesar da sua juventude – 38 anos, tem já uma “extensa” obra publicada, editada e traduzida em vários países, sendo fonte de inspiração para obras de artistas plásticos e peças de teatro. Jerusalém, insere-se na tetralogia “O Reino”, concedendo-lhe já vários prémios literários; recentemente foi nomeado para o Cévennes Prize 2008, que distingue o melhor romance europeu, publicado em França.
Sob o ideal do mal, a tetralogia “O Reino”; o reino do homem, Jerusalém, abre caminho a um circuito fechado a percorrer pelo leitor. Um circuito circular desenhado por Mylia - esquizofrénica, internada como louca pelo seu médico e marido Theodor Busbeck - investigador reputado, que busca a fórmula que resume as causas da maldade que existe sem o medo, essa maldade terrível; quase não humana porque não justificada. Mylia dá à luz Kaas, rapaz de pernas frágeis, adoptado por Theodor Busbeck e filho biológico de Ernst, louco, deficiente físico e companheiro de Mylia na clínica. Hanna, a prostituta frequenta a casa de Hinnerk Obst, o homem que guarda uma pistola na parte da frente das calças e tem medo dos outros. Todos são assim colocados à mesma distância. À distância de um mesmo ponto, do centro onde habita a dor, a insanidade, o medo, o pensamento moral, o aceitável e o inaceitável, convergindo para uma noite. A noite em que a matéria muda à velocidade da sua diferença, a urina a mais no corpo dói, a temperatura da noite alarga os ossos, e em que tudo começa e tudo acaba.
Yanni Stratoudaki – Black glass
“Quem comete um erro é excluído; é fechado dentro de uma caixa. Quem está fora vê apenas a caixa. Mas quem está fechado, excluído, consegue ver cá para fora. Vê tudo, vê-nos a todos.
Em cada compartimento há dezenas de caixas. Milhares de caixas por todo o lado. A maior parte delas vazia. Outras têm lá dentro pessoas excluídas. Ninguém sabe quais as caixas que têm pessoas.
As caixas são tantas que ninguém lhes dá importância. Pode estar lá uma pessoa, até a que amas, mas nem olhas. Já não produzem efeito. Passas por elas centenas de vezes.”
2 comentários:
Um génio em ascensão. Estou mesmo muito curioso por lê-lo.
Muito dark.
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