Blow-Up de Michaelangelo Antonioni (1966)
Um fotógrafo famoso, na efervescente e frívola Londres dos anos 60, capta com a sua máquina fotográfica o que aparenta ser um possível homicídio, num parque público. Fica assim, em pouco mais de duas linhas, resumida a história contada por Michelangelo Antonioni, durante duas horas - prolongadas por longas cenas, diálogos reduzidos, tempos mortos e uma acção lenta em que a contemplação visual é preenchida a espaços com os sons rock da fútil Londres, em contraste com a acalmia da natureza, encontrada nas cenas de um parque no meio da cidade.
A primeira metade do filme pode tornasse exasperante, para quem tem pouca paciência para se deixar à mercê de um filme. Extremamente figurativo, encontramos apenas uma verdadeira personagem, como assim a entendemos, Thomas, o fotografo famoso de Londres, perseguido por todas as jovens londrinas desejosas de ser fotografadas por ele, na eterna busca pela beleza eterna. Todas as restantes personagens funcionam como manequins, de frases curtas e acções aparentemente inoportunas. Dois temas centrais sobressaem. O primeiro, e mais visível, é a futilidade dos anos 60, a juventude desinteressada, a gratificação imediata, o desprezo pelos valores mais profundos de todos os tempos, as drogas, a realidade humana num contexto de grupo, aglutinador de vontades e pensamentos. Neste contexto encaixa uma das cenas mais misteriosas do filme: Thomas visita uma loja de antiguidades, perto do palco do homicídio que mais tarde presencia. Na primeira visita é recebido por um velho que nada lhe quer vender, na segunda, depara-se com a verdadeira dona, uma jovem com o desejo de vender toda a sua loja, para que possa viajar e aproveitar a vida. Nesta última visita, Thomas acaba por comprar uma grande hélice de um barco, aparentemente inútil, mas que acaba por representar uma parte de um todo, de um todo que teve valor no passado, que foi útil antes, mas hoje não passa de uma inutilidade, um estorvo. O velho que ninguém quer, o novo que está urgente de uso. A guitarra partida disputada por Thomas, durante um concerto de rock, abandonada no segundo a seguir já na rua, o valor perdido aos olhos daqueles que encontram os seus cacos no passeio, em contraste com a fugaz luta que gerou momentos antes. As coisas mudam, as pessoas morrem, a cultura evoluí, a tecnologia evoluí, o lixo amontoa-se, a única coisa que sobra, imutável desde os princípios dos tempos é a natureza, mesmo a tocada pelo homem. O valor e o significado de uma árvore é hoje igual ao de 200 anos atrás.
O segundo tema está intimamente ligado com os nossos olhos, a nossa percepção do mundo, a representação que cada um de nós faz da realidade, oferecendo-lhe um significado muito próprio, e muitas vezes para nós, urgente. O problema da nossa interacção com o mundo ser feita a partir de sinais, sinais interpretados com a nossa necessidade de ordem e significado, necessidade que nos cega, confunde e força-nos a fazer assumpções, muitas vezes, com pouca informação, retirando daí um significado, nem sempre inteiramente verdadeiro.
E quando esse acto de ver é feito mecanicamente? Quando a memória da arte mecânica, da fotografia, da imagem física que podemos tocar, tornasse mais real que a percepção bruta e crua dos nossos olhos? Será essa reveladora de uma verdade mais segura? Antonioni mostra-nos que sim e não, e sugere-nos as duas problemáticas em confronto: o acto de ver e, o acto de analisar o que se vê. Nenhuma das duas têm toda a informação, ou todas as respostas, a realidade estará sempre limitada pela percepção humana, independentemente da tecnologia que o homem pode construir para si. O homem cria aquilo que vê e vê aquilo que quer ver.
Este filme é um carrossel, inicialmente lento, entediante, despropositado; num certo momento, faz-nos pensar que estamos a ir numa determinada direcção, mas, por muito que este avance, parece que nunca chegamos lá; até chegarmos à última cena, em que toda a exigência pedia ao espectador, a paciência da contemplação, é sublimemente recompensada, como em nenhum outro filme, deixando o espectador, mesmo irreflectidamente, entregue a si próprio, numa abstracção pouco convencional, dona de uma força que nos obriga a revê-lo imediatamente e outra vez.