domingo, janeiro 25, 2009

A insustentável leveza do ser (1984)

de Milan Kundera

insustentável

Milan Kundera, é talvez o mais conhecido escritor checo de ficção milan kunderadesde Kafka (este último com toda a sua obra em alemão). O romance insustentável leveza do ser ou Nesnesitelná lehkost bytí, em checo, publicado em 1984, elogiado pela crítica, estabeleceu um grande culto de fãs por todo o mundo, ajudado em 1988 pela adaptação para cinema promovida por Philip Kaufman.

O filme, genericamente fiel (apesar das omissões inadmissíveis e cenas completamente desconexas, só decifradas por quem já leu o livro) não envergonha a obra de Kundera, mas fica a anos luz da formosura poética do livro, não conseguindo transmitir o verdadeiro feeling da história, mesmo contando com as brilhantes interpretações do jovem Daniel Day-Lewis e de Juliette Binoche. Poderia até num critério largo pertencer aos notáveis não existisse o livro, obra maior e completamente incomparável à sua adaptação. O próprio Kundera ficou de tal forma desapontado com a adaptação, que recusa até hoje a adaptação de qualquer outro seu romance para a tela.

LenaOlinTheUnbereableLightnessofBeing

A insustentável do ser é aparentemente uma história de amor e política, de quatro vidas entregues às vicissitudes e idiossincrasias individuais, ao curso dos acontecimentos comuns de um país, de um continente – a acção tem lugar na Checoslováquia comunista, entre a Primavera de Praga em 1968 e a ocupação Soviética do país –, mas é mais do que isso, é uma reflexão sobre a condição humana, o incontigente, o efémero, o acidental, o irrepetível, o insubstituível, a fatalidade de só podermos viver uma vez condicionados pelas nossas escolhas, sem possibilidade de experimentar os vários caminhos que se nos vão aparecendo, antes de decidir o que será melhor. Um claro contraponto à ideia de eterno retorno de Nietzsche “(…) pensar que, um dia, tudo o que se viveu se há-de repetir outra vez e que essa repetição se há-de repetir ainda uma e outra vez, até ao infinito! (…)”.

“O tempo humano não anda em círculo, mas avança em linha recta. Por isso o homem não pode ser feliz: a felicidade é o desejo de repetição.”

A dualidade peso/leveza colocada no séc. VI a.C por Parménides é a principal questão metafísica abordada: Um pacote de açúcar é leve; um saco de 50kg pode ser considerado insustentável. Quando se fala do ser as coisas são diferentes. É a leveza, a aparente insignificância, a estática, a imutabilidade que o torna pesado e insustentável.

Talvez seja a forma como Kundera explora esta questão que torna o livro tão especial. Este guia-nos por uma série de abordagens de carácter filosófico mas subtilmente ilustradas, sem a retórica dos teóricos. O último exemplo que tomo é a personagem mais magnífica do romance: o cão Karenine, que acompanha as duas personagens principais, Tomas e Tereza, e a sua tocante existência espelhada no capítulo: “O Sorriso de Karenine”, ponto de partida para Kundera debater a nossa arrogância como espécie.

“A verdadeira bondade do homem só pode manifestar-se em toda a sua pureza e em toda a sua liberdade com aqueles que não representam força nenhuma. O verdadeiro teste moral da humanidade (o teste mais radical, aquele que por se situar a um nível tão profundo nos escapa ao olhar) são as suas relações com quem se encontra à sua mercê: isto é, com os animais. E foi aí que se deu o maior fracasso do homem, o desaire fundamental que está na origem de todos os outros.”

São percepções como estas que dão à insustentável leveza do ser o seu significado.

5 comentários:

Mariana disse...

Para quem ainda não leu o livro, o filme transporta uma mensagem aparentemente comum a outros filmes do mesmo género. Contudo nota-se em algumas entrelinhas do filme a ausência de informação pertinente para o seu melhor entendimento.
Agora resta-me folhear "A Insustentável Leveza do Ser" para ter uma visão mais crítica do respectivo filme.

O Shihan disse...

Aconselho a não se deixarem levar pelo "kitsch" de ver primeiro o filme e depois ler o livro. Há muito mais a ganhar na descoberta pela leitura do que pelo simples visionamento das 3 horas de filme.

Anónimo disse...

Por que será que todas as mulheres que eu conheço e leram o livro o adoram?

Luís

Hélder Aguiar disse...

Este será um dos próximos livros que lerei! Excelente review e temáticas interessantíssimas!

O Shihan disse...

Luís, suponho que a belíssima e original história de amor contribua para esse encanto feminino, apesar de achar, só por si, limitadora essa visão.