Os Maias – Episódios da vida romântica
de Eça de Queirós (1888)
Chega a uma determinada altura da nossa instrução, e somos obrigados a ler determinadas obras para a disciplina de português, precisamente na fase da nossa vida em que temos a cabeça cheia de outros interesses que não a leitura de histórias de um senhor do outro século; e logo histórias de 700 páginas preenchidas de letras bem mais minúsculas do que as da Hobby Consolas, ou da Bravo (para a versão feminina). É um verdadeiro atentado esta imposição absurda ao tempo - já de si curto –, da adolescência. Muito a sério, já conhecemos bem os não resultados da imposição de leituras de obras reputadas, extensíssimas e descontextualizadas dos programas curriculares: poucos são os que as lêem - refugiando-se no famosos resumos -, e aqueles que o fazem, a muito custo, porque querem ir para medicina, pouco na sua essência aproveitam.
Os Maias de Eça de Queirós é um dos desses exemplos. Depois de relido por iniciativa própria e já com outra maturidade, é um maná imperdível para os apreciadores deste género de literatura.
José Maria de Eça de Queirós, o maior romancista português de todos os tempos, viveu em pleno século XIX, nos anos do chique e dos francesismos, do diletantismo ocioso aristocrata, na decadência de um Portugal a meio gás, a ver a Europa e Estados Unidos da América, a viver o fervor da revolução industrial.
Eça assistiu de perto a este definhar da sociedade portuguesa. Por muitas vezes se insurgiu contra esta decadência - os seus romances e crónicas, são a materialização do seu desassossego, mesmo ao serviço do estado (como administrador de distrito e cônsul), bateu-se contra o estado das coisas. Rendido à sua impotência como estadista, não hesitou em parodiar e depreciar a política e os cargos políticos por toda a sua obra e nas suas habituais crónicas de magazine.
A prosa de Eça é ágil, minuciosa, detalhada, assombrosamente actual; as suas tragédias românticas: críticas, satíricas, carregadas de humor lacónico. Os Maias, inserem-se nesta grande feição, ao lado do Primo Basílio, A Tragédia da Rua das Flores e o Crime do Padre Amaro.
Eve on Karl Johan de Edvard Munch
A família Maia, que dá o nome à obra, uma família Beirã, rica, de grandes tradições, é o centro de toda a narrativa. Afonso da Maia é o patriarca da família, vê a sua mulher, religiosa fervorosa, a criar o seu filho Pedro da Maia nas aflições da pureza e castidade. Impotente perante a força da debilidade de sua mulher, Afonso vê Pedro crescer como um fraco, e como adulto a ser arrebatado por um amor dúbio, findado em tragédia. Afonso, sozinho com o seu neto Carlos da Maia (personagem principal), cria-o fora dos rituais de educação proteccionista e religiosos da época, tornando Carlos um indivíduo diferenciado, forte e culto (ao contrário de Eusébiozinho, rapaz da mesma idade de Carlos, e a antítese deste, aos 7 anos já a declamar versos de cabeça, embrulhado no xaile da mãe). Carlos forma-se em medicina e torna-se um dandy da sociedade lisboeta, ocupa-se de várias senhoras até se apaixonar por Maria Eduarda, paixão que finda em tragédia; como toda a história dos Maias, que haviam decido habitar o seu casarão em Lisboa – o Ramalhete.
A história é rica, vasta, habitada de dezenas de personagens, todas caracterizadas metodicamente, representando as principais classes sociais da época, com particular incidência sobre a classe média e alta, numa sociedade emergida em snobismo, aristocratas, poetas ébrios e decadentes, políticos ambiciosos e pretensiosos socialités. Quase tão importante quanto um Maia, João da Ega, o melhor amigo de Carlos da Maia, é daquelas personagens imortais e únicas, proclama filosofias, ideais, leis, teorias, modas, ciências e estilos, ao longo do romance, enriquecendo a narrativa em debates com outras personagens caracterizadoras das correntes de pensamento da época, e, por isso, não menos interessantes.
Os Maias, é o maior reflexo do espelho queirosiano da sociedade Portuguesa dos finais do século XIX, uma implícita análise crítica à aristocracia, à monarquia, à igreja católica, ao buraco em que o país se enterrava e continuou a enterrar, mas, também, ao sentido do rumo individual do homem literato.
“Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduziria da experiência e que agora o governava. Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear… Não se abandonar a uma esperança – nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada que se chama o Eu ir-se deteriorando e decompondo até reentrar-se perder no infinito do Universo… Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades.”