Melhor série de todos os tempos?
Acabei há uns dias de ver a série que muitos referem como sendo a melhor de sempre. 82 prémios, incluindo 5 globos de ouro, e 211 nomeações falam quase por si só. O que tem esta série de tão especial?
Primeiro que tudo, o seu realismo. A acção desenrola-se tal e qual como se fosse um documentário de uma família, com as suas rotinas, os seus bons momentos, os maus momentos... Tudo isto cria no espectador a ilusão de ser mais um elemento da história. À medida que a série avança, vamos assistindo ao evoluir de várias personagens, o crescimento de uns, o aparecimento de outros e a morte de vários (e morrem muitos personagens importantes). Um enredo em que as acções podem ou não ter consequências, tal como a vida real - imprevisível. A história não se centra apenas na perspectiva temática da máfia italo-americana. Esta é a base, o ponto de partida para um estudo profundo às dilacerantes repercussões interiores vividas pelos seus intervenientes, especialmente o personagem principal, Tony Soprano.
Ah, Tony Soprano! Este é, a meu ver, um dos personagens mais ricos e intrigantes da história da televisão. Um personagem que vive intensamente para duas famílias - a mulher e os seus filhos, e a máfia. Um criminoso rude, implacável, que apesar de tudo cativa pela sua aparente justeza humana, o seu charme e simpatia. A sua perdição pelo sexo feminino. James Gandolfini foi brilhante e convincente na interpretação do personagem. O palco principal da série é, verdadeiramente, o gabinete onde se reúne com a sua psiquiatra, praticamente todos os episódios. Aí, invocado e dissecado pela sua psiquiatra ao longo de dezenas e dezenas de episódios, o seu subconsciente emerge: a sua relação atribulada e infeliz com a mãe, certos marcantes eventos da sua infância, a sua depressão crónica, os seus ataques de pânico, os seus perturbadores pesadelos (ao longo da série são retratados vários) - um caos de arame farpado mental que explica, muitas vezes, as suas acções precipitadas. Mas outros personagens tão peculiares como marcantes vão entrecruzando o seu caminho, como a mãe de Tony Soprano, Ralf Cifaretto, Paulie Gualtieri ou Junior Soprano.
A série é tão e somente, muito além de uma história de gangs ou da máfia, uma celebração da vida, a vida com os seus múltiplos problemas e escolhas difíceis, com as suas dramáticas consequências... Muitas vezes não nos resta mais do que optar entre um mal e um mal menor. Cabe a cada um reflectir e decidir, no fim, se Tony Soprano é um herói, vilão ou vítima do sistema implacável que o fabricou. Tudo pode acontecer, e o final da série, controverso e aparentemente desprovido de nexo, é, no seu simbologismo, tão original como aterrador e marcante, valorizando a inteligência de toda a série, como uma cereja no topo de um bolo - Sopranos.
"O criminoso usa a perspicácia para justificar actos hediondos. A terapia tem potencial para não-criminosos. Para os criminosos, torna-se mais uma operação criminosa" in A Personalidade Criminosa, Samuel Yochelson (Psiquiatra Americano).